GAIVOTAS AO VENTO
Um dia irei rasgar minhas lembranças com a tesoura do tempo
e me desfazer em pedaços tão pequenos que nem as formigas
ou os cupins poderão ler o que um dia me foi escrito por dentro
Até meus furos e buracos serão esfrangalhados e estilhaçados
não me sobrando nada que evoque minha repentina presença
e todos continuarão a caminhar indiferentes ao que me tornarei
um sumido que se foi no desaparecer inclusive de sua ausência
Mas se algum poema, verso ou estrofe me escapar
pode ser que alguém me leia em inesperada ocorrência ou acaso
e eu, então, serei reaparecido, renascido e ressuscitado
enquanto aqueles olhos não me esquecerem no breve instante
em que me fixarei no interior das pupilas
e nas paredes transparentes de suas usadas retinas
Um dia irei dilacerar minha memória
jogando-a do alto do meu apartamento
e vê-la ser levada pelo sopro do oxigênio
fatiada voando como se fossem gaivotas ao vento