Familia

Ontem visitei um velho amigo.

Velho no sentido metafórico, pois não passa de um jovem com seus vinte e dois anos, assim como eu.

Na sala haviam muitas fotos: Pais, irmãs, primos, tios... Familia.

Havia também flores de plástico e crepon tão vivas quanto as naturais e cinco anjinhos de ceramica desbotados pelo tempo. Um deles estava caído, e eu o levantei. Coincidentemente, ou não, meu caro amigo é o anjo caído, homossexual, de um familia de cinco filhos.

Amado e ao mesmo tempo desprezado pela escolha que fez.

Se é que é uma questão de escolha.

O lar é o símbolo da família. E dentro dele há muitos outros pequenos símbolos que denotam isso. Fotografias, lembranças, cheiros e calçados de vários tamanhos na entrada...

Mas, o que é uma familia?

Perguntei ao meu querido amigo o que era familia na concepção dele, e de forma singela e sacra ele me respondeu com um tom tipico de quem recebeu educação religiosa:

''Familia é quem está ligado a voce atravez de laços de amor, é o alicerce e a base da sociedade. É quem tem põe no mundo e se preocupa com voce.''

E eu respondi ''Tens razão amigo, não basta por no mundo. É preciso os laços de amor e afetividade.''.

Ao ouvir e responder esse dialogo, súbitamente me veio outro episódio ocorrido há uns dias atrás. Estava na casa de um outro amigo trabalhando em uma produção literaria cuja ele é o co-autor, quando o mesmo recebera uma ligação da filha que havia acabo de se acidentar. Não sou de ouvir conversas alheias, mas não pude deixar de ouvir no final da conversa entre os dois um '' Beijos filha, melhoras! Se precisar de qualquer coisa pode contar comigo.''

Isso de algum modo ficou no meu subconsciente, e veio a tona quando associei a conversa que tive com o amigo que visitei ontem.

Familia é assunto pertinente a mim, pois tenho contradições, complexos e paradoxos em relação a este.

Então tudo relacionado a este assunto desperta-me, não só interesse, mas também emoções.

Sei o que é familia, e tive uma. Mas ela se desmanchou, como um castelinho de areia se desmancha na beira da praia.

Há muito tempo me abstive da possibilidade de ter filhos e prevejo um futuro sozinha no mundo talvez, com um cachorro me fazendo compania.

Tenho 3 meios irmãos, dois deles não tenho contato algum. E do outro me distanciei em parte pela distancia que ele se encontra após sair da cidade em que moravamos, e em outra pelo distanciamento natural que a falta de tempo impõe. Quem me acompanha  é minha mãe, com tenho algumas divergencias e conflitos, mas não nos abandonamos, e uma golden retriever cujo o nome é Nina.

Os dias vem e vão, e minha mente é sempre martelada com o mesmo pensamento: O que farei o dia que ela, minha mãe e única referencia de familia propriamente dita que eu tenho partir?

Fico aflita, e depois me acalmo. Vou me acostumando com um futuro que, para mim, é categorico.

Por isso tento cultivar boas amizades, e amor próprio.

Solidão é um estado de espirito, capaz de afligir pessoas cuja a casa está cheia de amigos, filhos, vizinhos, animais, sogros, cunhados(as), genros e noras e passar reto por figuras afamiliadas cuja a única compania é um peixe ou um gato.

A solidão é perigosa, nos torna vulneraveis a pequenez de certas pessoas por conta da carencia.

Isso não é uma reclamação, tampouco um desabafo. É uma reflexão, um monologo, uma prosa comigo mesma.

Antes de tudo, somos a nossa própria familia, e nosso corpo e mente é o nosso lar. Uma familia desequilibrada começa por pessoas desequilibradas corporea e mentalmente.

Ao reconhecer meus desequilibrios me recuso a inciar uma familia. Carrego comigo consciencia do que é ter responsabilidade afetiva. E confesso ter medo de reproduzir a mesma historia perante outras gerações que possam descender de mim.

 

Assinado: Vivian Sampaio Lissek

Imagem: Familia, de Tarsila do Amaral.

Reprodução pinterest.

 

 

 

 

Vivi Lissek
Enviado por Vivi Lissek em 05/09/2022
Código do texto: T7598908
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