Versos descomprometidos
Quando eu tiver sérios compromissos
com meus versos...provavelmente
essa constante amiga, a poesia,
não me visitará mais...
Será isso uma superstição?
Como aquela de deixar os sapatos
jogados de qualquer jeito pela casa?
Esquecer abertas as portas dos armários?
Varrer a casa de noite?
Deixar de arrumar a cama pela manhã?
Dizer "benza Deus" quando vê uma criança novinha?
Ou outras tantas práticas
que nossas avós nos ensinavam?
Sinto apenas que se engajar meus versos,
totalmente descomprometidos a qualquer obrigação
vou perder o direito de fitar nos olhos a minha amiga
tão fiel de todos os tempos...
Provavelmente não passará mais cedinho em meu quarto
arrancando-me do sono, mas conservando-me o sonho...
Não me surpreenderá como uma aparição de brancas vestes
passando rápida ao meu lado, enquanto faço as contas do mês,
não me conduzirá à janela para observar as nuvens
ou identificar aquele pássaro cantando no telhado...
E como punição severa para minha desatenção
me deixará muito tempo sem o pão e a água da inspiração....
Assim, por mais que eu queira me esforça para compor
versos seriamente comprometidos...não vou conseguir...
Porque me sentirei tão preocupada e sombria
tão repleta de autocríticas, que nem perceberei
quando a minha amiga, de passos leves vier me visitar...
Nem quando tocando os dedos entre meus olhos
vier abrir de mansinho os centros adormecidos
de meu outro olhar.