Fêmea Animal
Não sou uma pessoa que sente ciúmes.
Sempre entendi que ciúmes é uma pobreza de espírito - é você, querer ser proprietário de alguém ou de alguma coisa.
Passei minha vida toda longe do ciúme - definitivamente não quero isso para mim. Não olho celular de outra pessoa; não investigo as roupas; não olho quilometragem; não procuro marcas. Absolutamente nada.
Sempre tive a liberdade de ir e vir, e o mesmo entendo que a pessoa que esteja comigo tem.
Proibições, grudes, cobranças, olhares atravessados, discussões, caras emburradas, acho isso tudo muito pequeno diante dos sentimentos que trafegam em nossa alma.
Sempre me vi como um ser independente, livre – livre arbítrio. Livre escolha. E sempre considerei que meu companheiro, meu amor, meu amado, meu tesão, seja o que for, é livre pra ir e vir – se bem que ir, sim, voltar talvez não. Mas tudo é muito relativo ao sentimento. Se considerar que depois de uma ida, tem uma volta, tudo bem.
Em 2012 estava trabalhando na Bienal do Livro, quando um casal se aproximou – um amigo de fora, trazia sua esposa para eu conhecer. Vesti minha máscara de animal social, respirei fundo e deixei o sangue correr veloz, queimando as veias. O batimento cardíaco acelerou – foi lá em cima. A pele queimou e em poucos segundos entendi aquelas coisas irracionais e avassaladoras que as pessoas sentem e pelas quais fazem absurdos.
Exatamente dez anos depois senti a mesma coisa – desta vez por causa de uma única palavra - Já. O sangue subiu numa velocidade assustadora. Os olhos queimaram. As entranhas queimaram. Eu, animal de garras, de presas afiadas, queria veloz como a luz, apagar aquela palavra. Eu, fêmea animal, queria arreganhar os dentes e as unhas afiadas.
O meu eu racional gritou tão forte e aplacou aquela ira que vinha de dentro. Ainda penso na palavrinha JÁ, e no que isso tudo significa, e vou resignificar este respirar profundo, este paralisar da mente, e continuar em frente. O bom é que minha firmeza de ser quem eu sou não me deixa voar quilômetros e arrancar este JÁ do vocabulário.