VINTE E SETE DE DEZEMBRO
VINTE E SETE DE DEZEMBRO
Ando até ter a planta de meus pés cheias de bolhas,
percorrendo os caminhos de minha mãe.
A terra onde ela cresceu com nossos parentes e onde nosso sobrenome nos distingue.
Pelas estradas empoeiradas, sigo suas pegadas levadas pelo vento e vejo as paisagens que eles viam, os meus.
As roças ancestrais tem toponímia familiar : "patrimônio dos cunhas", "morro do vô Ferreira", "córrego do passarinho", "mangueiral da casa rosa", "pedra do Cruzeiro", "curral da casa velha", "açude das traíras"...
Adentrei o pasto e colhi mangas com gosto de infância. O mormaço apodrecendo as frutas caídas na modorra da tarde. Deitado, bebo água de mina no latãozinho enquanto os urubus rodopiam no céu. Eu cismo.
Penso em amores perdidos e mulheres passadas. Ato contínuo, mastigo a polpa das ubás juntadas depois de cutucar cachos com vara de bambu. Pareço sonhar, mas não cochilo. Tropical, o verão espalha cheiro de terras molhadas nos longes e poeiras das estradas em volta. A pele queima como se fosse fogo selvagem e as pernas pinicam do capim gordura. Navalhadas de colonião riscam meus braços depois de ter atalhado trilhas no pasto do baixio. Tem graça essa hostilidade do meio contras as gentes.
Tento me abrigar n'uma cabana de caboclo de trançados de taquaras rebocadas de taguatinga. É sombra boa debaixo de aroeiras na borda do mato. Eu suo no ar parado e me percebo antes corpo do que alma no superpor de sensações densas. Lânguido, obedeço a calentura e me estico na esteira de taboas enquanto descanso da caminhada.
No meio do nada, fico de atalaia sem saber o que espero que aconteça.
Aguardo.
Talvez mãe d'ouro revele uma grupiara no aluvião... Diz-que é assim que o bamburro atiça o achamento. Não sei. Apenas deixo o em derredor acontecer sem qu'eu atrapalhe.
Nada acontece e é bom nada acontecer.
Sobrália - 2020