Gemidos

Subindo a ladeira num passinho lento e curto, cabeça baixa... Seu eu essencial estava ausente e passeava longe...entre monstros marinhos, lobos e intrincadas ameaças. O vento era cortante resfriando seu rosto protegido por velho boné, lembranças de outras andanças. A ladeira dos desenganos consumia o velho mais ainda na noite de lua. E aquele luar lhe trazia a solidão do mar...Um ou outro latido ao longe revelava a realidade... Um bando de cachorros, uns tantos, o primeiro e o nove, tiraram o velho marinheiro de sua introspecção. Foi o que fez apeando de si mesmo, recebido pelos. Tudo parecia como antes nada mudara nos desenganos. Ele voltava solitário mais uma vez... A lua entre nuvens altas e negras brincava de esconde – esconde...O vento vinha rente ao chão, levantava terra e farfalhos chacoalhando as folhas secas... Primeiro e nove pulavam brincando e corriam com o resto seguindo o andarilho, que se resumia neles. À tapera chegou, enfim... Havia luz e sombra nas cores preto e branco que o luar prateava. A porta, entreaberta, deixou os nove cachorros e o velho Abdias se achegar. O lampião à querosene é aceso...Abdias parecia muito apagado de vontade e de horizonte. A viuvez nunca o abalara; sua ex na verdade jamais fora seu porto seguro. Atopetados na sala suja e antiga da tapera ele e os tantos, quantos? nove, atendiam pelos nomes sem engano. Primeiro era o mais esperto e Nove o fecha rancho. Dividiram o teto da noite no chão agro e duro. Abdias ruminava coisas desconexas e todos os quanto a, tantos nove se aquietaram no que restava na tapera do abandono... Abdias era sem tempo e estava em noite que a ladeira consumiu e a lua chancelou. Ele zanzava pela vida em busca de nada e vivia no passado que o mantinha vivo. O sono veio por um veio não suspeitado e com ele o sonho com a mulher que ele sempre procurara... Um gemido perturbou os cachorros a noite toda...
COMENTÁRIO ESPECIAL DA POETISA ESTHER LESSA


CONFORME UM PRESENTE DE DESENGANOS E UM ESSENCIAL PASSEANDO LONGE, QUEM SABE, NUMA INCURSÃO PROFUNDA EM SOLIDÃO DE MAR, QUE O LUAR TRAZ,CABEÇA BAIXA E PASSOS LENTOS,CAMINHA ABDIAS.ANDARILHO, CHEGA À TAPERA DO ABANDONO. MECANICAMENTE, ACENDE O LAMPIÃO.E, SEM VONTADE OU HORIZONTE,APENAS O PASSADO, O MANTÉM VIVO.E AINDA QUE, INVOLUNTARIAMENTE,O SONO O LEVA AO SONHO. QUE ÚNICO CONFORTO, PARA ALÉM DE SUA TRISTÍSSIMA REALIDADE! NO SONHO, ELE ENCONTRA A MULHER QUE PROCURARA A VIDA TODA! ***UM TEXTO MUITO BEM ESCRITO, ELIGIO! TOTALMENTE MERGULHADO NA CONDIÇÃO HUMANA, FINAL DE TODO O QUE TEM SENSIBILIDADE ! E QUE, AO FIM E AO CABO, ZANZA MESMO, PELA VIDA, EM BUSCA DE UMA LUZ,QUE O TIRE DO NADA ESMAGADOR QUE O ESPREITA! PARABÉNS! DEUS O ABENÇOE!