ONZE DE AGOSTO
ONZE DE AGOSTO
Penso que já deve ter vivido um homem,
cuja vida fora minuciosamente determinada.
Cada gole d'água; cada colher de comida, cada sopro de ar respirado... Tudo!
Tudo metodicamente descrito e controlado para observar
quantos segundos a mais de vida
o corpo humano poderia adquirir,
Penso n'este ser humano que
jamais tocou n'algo contaminado por patógenos
ou se intoxicou com venenos.
Penso no progresso da Medicina
após bilhões de objectos de estudo vivos e mortos
necessários para oferecer a este único
toda uma existência sem doenças.
Trilhardário, suponho, dispôs de meios
para não conhecer a lenta corrupção que nos degenera a todos.
Nunca tomou sol demais nem de menos; nunca
fora exposto a um ambiente fora da zona de conforto, nunca
se aproximou de outro ser humano sem proteção.
Astronauta na Terra, jamais tocou senão a própria pele
e tampouco conheceu senão informações,
máquina perfeita de pensar e sentir.
Este que suponho estar no meio de nós
busca-se imortal para além dos facto biológicos
e vive em META ou qualquer outra realidade virtual
com uma humanidade absolutamente pós-humana,
porque imorredoura.
Pois, ainda que venha a morrer, não importa...
Sua existência, para além do físico e do metafísico, permanece
a vida que prospera em laboratório, porque
em condições ideais de temperatura e pressão.
Anônima e anódina.
Betim - 2022