Os natais de minha infância
Entre as lembranças mais marcantes de minha infância estão aquelas que envolvem os saudosos dias de Natal, coloridos por momentos leves e modestos, longe de qualquer tristeza ou ansiedade. Tive a graça de respirar esses dias especiais no início dos anos 1960, antes de iniciar o estudo das primeiras letras. Mesmo com as lacunas deixadas pelo tempo, retorno a esses natais distantes que vivenciei com meus irmãos e minhas irmãs. Quem sabe essa viagem ao passado permite entender um pouco mais a magia de coisas tão simples que alimentam a felicidade.
Longe de qualquer riqueza material, foram momentos protegidos pelo ambiente familiar mantido pela minha mãe costureira, que aprendeu com minha avó italiana os valores da educação escolar, e pelo meu pai sapateiro, poeta e sonhador. Eles ganhavam a vida modestamente, mas com a dignidade própria das pessoas que têm um ofício e nele persistem ao longo dos anos. Além de persistirem na rotina silenciosa de suas profissões, ambos compartilhavam o gosto pela leitura de jornais e revistas.
Aqueles dias natalinos foram também ornados pela presença encantadora de minha avó paterna de ascendência indígena. Com gestos suaves e apaixonada pela natureza ela contava mil histórias para os netos. Ela falava dos caminhos percorridos entre as matas, muito além cidade onde foi acolhida pelos seus pais adotivos. Gostava de gatos, frutas silvestres e percorria os campos para recolher serralha, beldroega e outras plantas alimentícias, além de sempre cultivar uma pequena horta de verdura no quintal de casa.
É nesse ambiente modesto e mágico, distante das vitrines da cidade, que relembro os natais de minha infância. Semanas antes, muitos moradores da região, especialmente aqueles que morava na Vila da Coreia, começavam os ensaios para a grande festa do Congado. Uma tradição cultural bicentenária da cidade mineira de São Sebastião do Paraíso. A cadência dos tambores e o cântico dolente dos descendentes de escravos serviam como uma espécie de sinal de que se aproximava o Dia de Natal.
Para cada um dos filhos, minha mãe costurava um lindo saquinho colorido de papel crepom e dentro colocava balas, pirulitos e um pedaço de bolo especial, cujo sabor ainda persiste em meu coração. Certa vez, eu ganhei uma pequena bola de borracha, outro ano, um caminhãozinho de madeira. O presente poderia ser um corte de tecido para fazer roupas novas todas iguais para os meninos, assim como um outro corte para fazer roupas para as meninas.
Na esperada noite de Natal, íamos dormir bem mais cedo do que o normal. Ficávamos sob a guarda de minha avó, enquanto meus pais iam ao comércio para fazer compras. Ao amanhecer do dia seguinte, ainda sonolentos, todos os irmãos corriam ao encontro daqueles saborosos e inesquecíveis presentes. De fato, como diz a filosofia poética de Fernando Pessoa: “Tudo vale a pena se a alma não é pequena”. São momentos simples sobre os quais hoje reflito em busca do que realmente tem valor maior nesta vida.