MEUS PORÕES
Nas madrugadas que procurava deuses na face das luas
E batizou estrelas por nomes santo
Por que assim nunca estaria só no mundo escuro
Nas manhãs o sol te queimava os olhos, cegando teus próximos passos
E todas as tardes tempestuosas que a dor podia rolar em seu rosto, porque a chuva te cobria a vergonha da fragilidade
Tinha as mãos marcadas pelo trabalho que não te comprava o pão, mas a dignidade,
As vezes na desesperança de um tempo que os sonhos só cabiam mesmo no papel
Esmurrava portas que nunca se abriram
Teu corpo não descansava, mas desabava exausto em ruas que a marquise dos edifícios te serviam de lar
Só encontrou abrigo na sarjeta da vida, onde a semelhança do abandono te fez pertencer enfim a alguma tribo
Sentia nos pés o solo vivo e ainda vibrante
Onde o disco de fé apertava o chão entre os dedos
Imprimia então a digital de teus pés
E invocava tua gente que um dia dançaram neste mesmo quintal
Nunca a hostilidade corrompeu tua fé, nem toda sujeira que a vida não podia limpar
Ousou tocar o véu alvo de tua alma
Esta permaneceu íntegra e tuas mãos limpas,
Nenhuma de tuas verdades se perderam nem diante da realidade crua e nua de um povo vendido por preço barato
Uma parte tua
A que chamamos de essência
A chama ascesa pelo criador em tempos antigos
Esta se manteve limpa no teu lado avesso
Mas essa parte dentro do peito
Onde pulsa a vida
Os teus porões ninguém desejou conhecer