A fenomenologia na erupção de uma crise existencial:
"Não sou nada, mas através de mim as coisas e os cenários do mundo se conhecem. Não sou nada, mas a minha irmandade com as coisas faz com que um circuito de significados manifeste o universo através de mim. Ah, as coisas, que inumanas são as coisas, mas quando penso sobre elas é como se tudo fosse uma extensão das sinapses entre os meus sentidos."
Numa tarde nauseante, eu encontro-me com o coração constipado por uma elegia que desmaia lentamente no mais fundo de mim.
As minhas artérias se asfixiam com o calor vespertino, e todos os meus sentimentos inflamam.
Sou um vulcão entranhado no solo.
Minh 'alma é de um marfim escarlate e mancha o céu toda vez que sangra.
Sou congestionada por memórias, lavas, pessoas e palavras que só querem explodir. Dentro de mim tudo ganha proporções imensuráveis; tudo aquece e dilata até que eu não suporte.
Exaspero-me ao ter que respirar e me alimentar por todas as formas sensíveis que me habitam - Eis que estas mesmas formas convulsionam nas tessituras da minha sanidade -
Por acaso, já sentiu o tremor agitado das várias vozes em teu ser? Já pressagiou a erupção da alma ao ser inspirado pelo ar que ronda a terra interna em que habitas?
Sinto um colapso derreter a minha essência. Sinto uma implosão inchar os meus miolos. Terei que externar o meu grito na natureza - Vomitar as queimaduras tensionadas no miocárdio.
Sou minha morada febril, atirem-me almas para que eu as cuspa na atmosfera e aumente a temperatura da vida em meu lirismo doentio.
Estou prestes a mostrar-te minhas cinzas vulcânicas. Prestes a pulsar as batidas do coração da natureza - para que, então, ele delate os sons que reprimi nas chamas do tempo.
A febre crepita o corpo e inflama os sentidos até que eu perca a noção das formas prévias.
A erupção mostra-me nua, e o despertar da noite expõe as minhas verdadeiras cores - O chamuscar e as trevas. O inferno de Dante.
As profundezas escuras de ser.
As experiências que acumulei crepitam em um ávido formigamento, sinto-as sacudirem-me a cada estimulo, sinto-as circularem em meu sangue: eviscero-as e vomito-as.
Sou um vulcão contorcido por aromas carregados de enxofre, e a humanidade oculta desperta os movimentos que me entopem.
A totalidade de mim exige se eruptir num impulso interior de autorrealização, de nada adianta suprimi-la, deixe-a vazar-me.
Ah, as coisas. As coisas florescem na minha consciência e se colocam para fora toda vez que eu as toco.
Eu me reergo atrás do horizonte;
e tudo se reergue atrás de mim.
Fique esta noite e todas as outras, e
também um novo você se reerguerá atrás de ti sob a aurora.
- Letícia Sales
Instagram literário: @hecate533