RITOS DE PASSAGEM

 

Lembro-me de sonhos. Lembranças que constituíram um pequeno universo à parte daquilo que realmente vivo. Lembro-me de planar por sobre cores e sorrisos, cumprimentos e olhares, expressões de coragem e de ternura inspiradas por um voo espiritual.

A respiração calma e a mente limpa fazem com que eu perceba o quão fascinante é não ter de viver entre a cruz e a espada. As paixões, fugazes, ficaram para trás, juntamente com o ferro e o fogo que comprimia meu peito.

Voo por sobre a cidade e, agora, entendo: as asas me conferem a capacidade de não ser indiferente a nada, tal como é impossível ficar apático diante de uma tela impressionista. É possível ser entusiasta dos sonhos e da realidade. Aquilo que dantes machucava, agora é bênção.

Do alto, um insight: o grande desafio da vida é, entre centenas de escolhas a serem feitas, optar por uma apenas, ficando com a intensa nostalgia daquilo que não foi possível ser vivido.

Mas, ainda assim, com essa sensação de escassez compreendida por aquilo que chamamos de destino, as asas permitem um modo de estar no mundo no qual nossas escolhas são abençoadas. Basta entrever, do alto, tudo aquilo que antes eram vasos quebrados. Para não esquecer, a liberdade provém de movimentos breves e fortes que se transformam em esforços para fazermos o melhor que podemos.