A chuva, a cidade e o campo

Homem sei que não gostas de mim nem me consideras bem vida, quando me precipito sobre tua cidade e tua casa, molhando teu corpo, tuas roupas no varal, teu carro.

Olha, eu te entendo e perdoo...

Se chego à tua cidade, é para amenizar a sede das poucas árvores e do pouco verde que ainda existem por aí, te proporcionando um pouco de sombra, beleza e paz, o que se dependesse de te, por certo não mais existiria.

Sabe, para regar esse verde, perco muito de mim, pois na mesma proporção que banho os jardins, parques e bosques, chego aos teus edifícios e ruas asfaltadas que se mostram insensíveis ao meu toque, sem perceber que abaixo deles está a mãe terra, e cedo ou tarde nos encontraremos.

Ficas de mau humor, quando chego de surpresa e te impeço de ir ao mar... Tens o mar todos os dias mas, será que aquela imensidão de água seria capaz de aplacar a tua sede?

Ah! Se soubesses como sou querida no campo. Lá sim, dá vontade de não ir embora.

Eles sentem alegria por chegarem em casa molhados... E as crianças! Ah! Precisas ver a criançada correndo descalças pelas ruas, e na maior felicidade brincando com barquinhos de papel.

Ficaria tão feliz em te ver como o homem do campo. Ele não teme o contato direto comigo e é sensível a mim, que nem os animais e as plantas.

Se não apareço para encher teus açudes e rios, perde tudo o que tens.

Se chego em abundância, carrego tuas plantações e teu gado, destruindo os teus bens.

Em ambos os casos me acusas de injusta e cruel, não enxergas que a causa de tudo isso és tu mesmo?

O que eu poderia fazer com aquela imensa quantidade de água que iria regar uma floresta que não mais existe?

Se provoco enchentes, é porque as árvores que iriam servir-se de mim, foram destruídas por tuas pretensões egoísticas, dando lugar a florestas de concreto e cimento que se mostram indiferentes ao meu toque e bloqueiam as minhas trilhas.

Por isso, acabo por me unir ao frágil riacho, tornando-o forte o bastante para chegar até o mar, o seu destino final.

Se hoje chego em grande quantidade onde não sou necessária, ou demoro a chegar onde imploram a minha presença, é justamente pela agressão irracional que praticas contra o próprio meio onde habitas.

Na tua fome insaciável de ter sempre mais, queres ser senhor de tudo.

Queres ser mais forte que a força que te deu origem, e para tanto sacrificas teus próprios irmãos. Onde pretendes chegar?

Se queres ser tão forte quanto a força que te criou, deixa tua selva de pedras e vem comigo em direção aos campos e planícies.

Caminharemos a pés descalços pela relva... Estarei presente em todas as direções para onde olhares. Onde sempre estive e nunca percebestes.

Chegarei a ti em forma de chuva, molhando teu corpo, purificando teus olhos e teu coração de concreto e cimento, tornando-te dócil e sensível o bastante para contemplares a minha face e sentires o meu toque.

Luiz H. Peixoto 08.02.84

Luiz H Peixoto
Enviado por Luiz H Peixoto em 07/06/2022
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