DA JANELA
DA JANELA
Observo o cotidiano da vida: carros em movimento, talvez sem destino.
O sol com seu brilho matinal, os blá-blás dos caminhantes, a moça debruçada na janela, sabiás em francas euforias, catadores de recicláveis, correrias...
O ancião caminhando só, um cão vadio a lhe acompanhar, a ambulância que zarpa ligeira.
Na rua barrenta, sem saída, meninos jogam futebol.
As lojas em suas vitrines apelam com liquidações as sobras de mercadorias não vendidas no Natal.
Um aeroplano rompe o silêncio anunciando na faixa branca com letreiros azulados a moda verão.
Caminhões e garis na árdua luta recolhem lixos aos montões.
Música nostalgicamente lenta de um rádio da periferia traz lembranças saudosistas.
Uma humilde mulher de cabelos ralos, olhos perdidos entre a multidão aguarda na fila o próximo ônibus para a Vila Vintém.
A vida correndo como sangue nas veias, segundo a segundo... areia esbranquiçada em escorregadias mãos.
O mercado municipal bem a frente, frenético vai e vem de fregueses esbarrando-se pelos estreitos corredores: carne, peixes, frutas, verduras e guloseimas mil.
Cruzamento da avenida, semáforos organizando o trânsito num piscar verde, amarelo e vermelho.
Ergo a taça e tomo um gole do vinho rosado – adocicar o dia... Já quase meio-dia, o trânsito flui rápido, trabalhadores seguem aos lares, aos bares, hora sagrada do pão de cada dia.
Canários-da-terra trinam do alto do arvoredo. Ao largo um barco veleja sob o mar azul. Ventos a estibordo sopram suaves.
Recolho-me por momentos à refeição simples e balanceada. Sorvo mais um gole de vinho.
A solidão me toma por companhia. Recosto-me na rústica balança de pinho remoendo pensamentos.
Que belo dia! Ah... como seria bom voltar à desvairada adolescência...
Corpo dolorido, olhos dormentes, o tic-tac do relógio acompanha o cochilo da tarde.
É noite da Natal, quantos presentes...
Amanhã brincarei com o meu carrinho, andarei de triciclo, soltarei pipas e correrei pelos campos verdejantes. Talvez jogarei bola com meus amiguinhos!
O ruído da construção ao lado me desperta, Ah!... que sonho dos belos tempos de infância.
Inesquecíveis dias gravados n’alma deste alquebrado velho.
Torno à janela, o arrebol flameja no horizonte, a primeira estrela já brilha no céu.
Nuvens brancas em curiosos desenhos surreais são abrigadas pelo manto negro da noite, vai-se o dia.
Amareladas luzes sobre a avenida, badalam os sinos, Ave-Maria... já não se ouve o cantar de pássaros.
Jovens se encontram na escadaria da Matriz, entre juras de amor, balbúrdia e alto som eles tomam posse do seu território seguro.
Uma lágrima teimosa rola pela face envelhecida.
Há tempos observo na esperança de presenciar a jovem sorrindo em direção à janela.
Mais um dia de longa espera...
Talvez amanhã a filha pródiga volte para casa.
By: Maurélio Machado