Poética - O alienado
Sob a ala enegrecida caminho enquanto o leve entorpecer da vida desperta-me em meio ao sono do mundo.
Na linha onírica entre a consciência e a inconsciência, sonho a realidade, e igualmente vejo que algo em mim sempre roncou em plena vigília (...)
O adormecer das minhas vontades obstruídas arranham a faringe de quem eu imaginava ser.
E a forma insubstancial do meu eu
projeta-se na realidade através de uma angústia subliminar.
Sigo o ruído que evade da exaustão -
Intimamente não me reconheço, mas procuro-me através do incômodo que me desperta da rotina dos pensamentos
Fora dos gestos mecânicos e cotidianos, eu não sou qualquer coisa além do vazio. Busco esquecer-me dele, mas só de existir o recordo entranhado em meu ser.
Como então lembrar de mim, se a noite aqui é cercada de esquecimentos, uivos, urina e alucinações?
A noite é rodeada de poetas que orbitam o nada com adornos linguísticos. A noite é povoada pelos introvertidos e outros estrangeiros do cenário existencial.
O meu pensamento jaz oco.
A minha alma é alheia a realidade
E as minhas vontades se transferem para objetos que não são meus.
Se tento explicar as minhas crenças, já não sei de onde elas surgem, pois são empréstimos de não sei qual fonte externa.
E Inda que eu divinize as minhas limitações e as chame de Deus, estarei apenas personalizando uma lacuna intimamente minha e subitamente me dissociando do meu eu (...)
Desde que me trancaram, eu sou um alienígena dentro da minha própria humanidade - abduzindo todas as formas de ser para dentro de um enorme vácuo mental.
Todavia, no centro orgânico da existência, um senso maior fura o céu e transfere-me para dentro de algum resquício do que outrora fui.
A brancura da parede à minha frente reflete-se no vácuo pálido e cego que há em mim - ele é uma ilha cercada pela razão dos que estão lá fora, ele é um abismo isolado do sentido de ser.
- Letícia Sales
Instagram literário: @hecate533