A formiguinha dourada
Na noite anterior eu consumira minha destilada companheira. Dentro de um saco de pão na cozinha, tão pequenina e de uma cor dourada quase impossível de se ver a olho nu, quiçá por eu estar sem os meus óculos oblíquos de lentes arranhadas, estava a formiguinha dourada. Eu sentia o seu deslizar sobre meu corpo, ora no cotovelo, ora no ombro, ora nas costas. Percorria o meu rosto a me fazer tapar redundantemente a minha própria testa e em seguida a me forçar coçar atrás de minha orelha. Pude localizá-la pelo tato dos meus dedos e tentara esmagá-la sobre minha pele, mas não conseguira atingi-la. Utilizei a toalha que se umedecera a se prolongar em meu pescoço e não consegui espantá-la e quase como um ser invisível, o minúsculo bicho ainda se galhofava do o meu desvario. A ideia de ir para banho a me espumar, a me esfregar e a me jogar embaixo do chuveiro a limpar a minha alma e os detritos da noite que junto ao suor salgado era exalado pela inspiração do meu sono profundo me instigara a dar um ponto final na minha loucura. Depois de um tempo a achar que ela tinha ido embora, senti mais um formigamento, pois ela tinha sobrevivido àqueles jatos fortes de água quente sobre a minha corpulência que estavam a me enxaguar, a lubrificar as minhas córneas e a formar as gotículas que embaçaram o vidro que cercavam o box e o espelho que escondera o meu reflexo. Mas o impertinente inseto ainda estava presente a percorrer-me lentamente. Bastou eu encará-la que no piscar de meus olhos, ela partiu e não mais voltou.