Tudo falar e nada dizer
Há muita dor em mim e toda ela é indizível. Há muito peso em meus ombros e todos eles não chegam sequer a ser medido e o que se mede é o nada a que se assemelha, deixando ao leitor uma impressão de algo dizer e ser. Há em mim uma espécie de absurdo de nada dizer em tudo que digo; o nada que o é por não ter definição e por ser tudo sem ser nada disto tudo, sim, aquilo, aquilo que antecede a existência. Ah este sensível ouvir onde tantos falam, este abafar de ouvidos onde a cacofonia consome-me por todos em dissonância, é o desespero onde despejo o sentir de em tudo nada sentir. Eu quero apenas pôr em mão, a mão, toda a minha melancolia e angústia, mas ouso escrever tudo isto só para provar que não é possível e deixar para mim mais um traço de esperança. Rastro uniforme de todos os ouvintes, plantas para um edifício de todos os leitores, promessas para todos os peregrinos de um teto a cabeça pôr ou ter-se em um lar. Ter a si mesmo este, este que é por ser o que há e sendo isto é. Ah que diriam os mitos? Que dirão os deuses a mim? Eu, um homem tão abominável em minha angústia de não-ser e que por pôr a mão o nada de tudo isto ousou fazer-se propósito na escrita, o que, que dirão? Que dirão ao homem que perdeu tudo o que tinha a perder, onde resta apenas a renúncia dúbia de uma ilusão ou a fagulha de uma esperança? Que dirão ao guerreiro que após voltar a guerra encontra-se nela? Que dirão ao homem, oh céus, que perdeu toda a sua família e que hoje põe-se a dormir com Hipnos? Este e aquele que são os mesmos, isto e isso que é um nada e aquilo, aquilo tudo que é baldio, ah, perdido, perdido é tudo isto. Como ousaram dizer-me que sou grande? Como ousaram crer em mim? Eu, um homem tão vil em sua crença de o ser e que o é por nada ser, é dado e é isto. Ah poética de aviltamento que engrandece, alteridade que se esquece e faz esquecer de mim, esquece-te pois não és. Oh desgraça de existência, abominável viver de máscaras, estúpido falar várzeas e acusar de nada o mais nada de tudo isto. Ó miseráveis incrédulos imberbes, vós que não dizem nada, não falam nada e não pensam nada que vale a pena ser ouvido, vos escuto por imposição deletéria, por ociosidade infrutífera e por cansaço da solidão de estar certo e após o ato decidir, de espavento a infâmia vos abomino, ah és vexame tal desaire, és opróbrio teu ofício. Mas quem seria eu para aconselhar-vos? Vos aconselho por um ato de desespero de nada falar neste abismo que me consome e não me espanto em ouvir os vermes a ranger a alma após me deglutir e em espasmos vomitar, asco! Asco!! Asqueroso ele é, é o dizem... Ah dissonantes sons de ouvintes, azáfama de tudo querer dizer e paz daqueles que morrem como ouvintes por fora e vivem como ouvintes por dentro, nisto tudo em nada se tornam e aí reside a paz do meu ofício, o de tudo falar e nada dizer.