Lira dos 18 anos
Dezoito é muito tempo, tanto para mim quanto para você
dezoito atrás usava alargador nas orelhas e piercing na língua
Era o diferente da escola, tinha certeza de um futuro brilhante
Mas não procurava pensar nele, não que isso não fosse importante
A certeza de que dezoito depois ainda não seria um comum o confortava
Seus colegas eram cool’s‘ demais para se tornarem comuns também.
Hoje, Roberto que era grafiteiro e curtia Charlie Brown Jr é delegado.
Vi ele no Petshop com a esposa ontem comprando osso pro cão brincar.
Placido, que usava munhequeira e era artilheiro do time de futsal, é vereador.
Vi por acaso seu rosto no jornal enquanto eu aguardava pra ser atendido no psicologo, li que protocolou uma mudança de nome na principal rua da cidade.
Pedro, que era o “Don Juan” da escola, hoje não tem tempo de nada, está terminando o doutorado e vive em profunda solidão, sua vida se resume em ler, escrever e buscar um concurso público. Seu primo me contou que tentou se matar semana passada.
Malu, nunca mais nos encontramos. Aliás, nunca nem conversamos na escola, minha visão sua andando de skate era o mais perto que eu cheguei de amar naquele tempo. Vi você ontem trabalhando de caixa no novo 1,99 da cidade, cantarolava Jorge & Matheus enquanto passava a lixeira que eu comprei, soube que votou no dito cujo para presidente.
Paula, seus cabelos coloridos me davam a certeza que o comum não a atingiria, era a única do colégio a ter piercing nos lábios, língua, orelha e mamilos. Eramos o casal mais diferente do colégio, fazíamos planos de conhecer a Europa juntos e conhecer múseus. Hoje você posta fotos com legenda "gratidão, namaste" e tem um casamento infeliz com um anti vacina, a vida foi dura contigo.
Nelson, tu é o único que não mudou. Continua igual aos tempos de colégio, vagando de garota em garota, sem emprego, sem futuro, sem um tostão no bolso, sem rotina e sem ilusões. A nossa diferença é que eu hoje uso camisas que escondem as tatuagens. Calço sapatos de amarrar o cadarço, cabelo arrumado, barba aparada e lavo o carro aos sábados. Tenho um cachorro, futebol de terça, Corinthians na quarta, repartição de segunda a sexta, cerveja no final de semana, boletos,aulas, cigarros e só, mas continuamos juntos, sem filhos, sem virar crente ou votar no dito, sobrevivemos ou perdemos?
Dezoito anos , muito tempo para nós, todos vocês não me reconheceram quando os vi. Mas eu me conforto e vejo que não escaparam ilesos dezoito anos depois. Foi bom escrever sobre isso, mas preciso encerrar esse poema, pois tenho a happy hour da repartição e fingir que ainda tenho as certezas de dezoito anos atrás. Vocês tem?