PRÓLOGO DAS FORMIGAS

Naquela noite, sentiu-se menos amado que qualquer andarilho perdido no mundo. No outro dia, certamente guardaria rancor e mágoa. Não imaginou que em alguma noite pudesse voltar do trabalho e encontrá-la dormindo. De certo modo, aquele ato da sua esposa representava para ele o romper das delicadezas conscientes da paixão. Secretária administrativa da firma, sempre chegava mais cedo que ele, o operário da mesma firma. Recebia-o de braços abertos, com o perfume à base de pitanga na camisola naufragando de grossa beleza o aconchego do lar. Deitou-se irado. Virou-se de lado. Apagou-se. No outro dia, a torta de maçãs que ele tanto gostava tinha azedado dentro do fogão e já havia perdido a fragrância da camisola que ela espargira por todo ambiente para que ele nunca esquecesse do quanto ela aguardava-o, com total resignação. Agradou o seu amor com todo cansaço e ternura que havia no seu mundo de mulher martirizada antes de entregar-se ao sono. As formigas no lixo deliciaram do prato doce de amor. E não duvidaram.

Italo Samuel Wyatt
Enviado por Italo Samuel Wyatt em 27/04/2022
Código do texto: T7504387
Classificação de conteúdo: seguro