A mitologia dentro de um sentimento
A dor bem como um tácito messias guia-me até as fundas fibras de um eu indivisível; teu silêncio é a tenebrosa oficina de um mártir abafado em produções indigestas - dentro dela eu sou açoitada, dentro dela eu me conheço.
Do laborioso engenho, insurge a elegia de um panteão mental de deuses, ninfas e minérios,
Que se extraem da divina haste apregoada entre os neurônios mais fundo dos mistérios.
Criaturas infestam a natureza da inércia ao saltarem dos furos espamódicos nas mãos da dor.
Vejas que sou fábrica de estranhos organismos que criam outra orla divisória entre o ser e o nada; Operária dos mais duros sedimentos do convívio adormecido no tempo.
A mitologia da tristeza ganha teus componentes quando imergimos nossos olhos no tétano das feridas; das retinas sai o panteão furtivo de figuras que representam o solo fatídico do ressentimento - Este que é o eterno remastigar das formas que outrora representavam a narrativa da vida em teu êxtase mais glorioso. Agora elas revelam ângulos reprocessados na amargura do tempo.
A felicidade parece-me uma rosa cuja fragilidade se faz despedaçar pela violência da vida - não consigo alcança-la sem feri-la ou sabota-la.
O organismo reluta ao ver tuas formas afundarem no desinteresse da dor - as rosas que outrora emitiam pétalas no espaço, agora pungem o desamor fecundo em mim.
Ah, quisera eu findar o luto mitológico que a dor forjou no mais fundo de mim.
Mas a sua narrativa retrata a magnitude do fim.
Vejo um messias esmagado nos olhos de um gato viril,
É a dor sob a luz escura e predatória do infindo mistério. A dor fita-me através das subterrâneas pupilas do gato; ela impõe sua recusa pela renúncia da vida ao estudar tuas presas que zarpam no ar - São possibilidades tão frágeis pairando nas planícies vazias da noite, intimamente sei que vou perdê-las, portanto já sofro por antecedência.
A dor é um gato, um herói. Ela elucida a contusão de sua impaciência nos movimentos de um deus que reluta para não perder a soberania ante a gênese da vida.
Quisera eu plasmar a beleza que outrora sentira.
De certo, há no ar presas sobrevoando com as asas eletrizantes da melancolia,
O gato salta com seu panteão de formas e horror, impondo o que pra mim seria distopia.
O mistério ao figura-lo, salta sobre as minhas fragilidades.
E em um rígido estalo, desvenda-se uma nova narrativa.
Vejo-me então por entre as garras da libertação, e digo-lhes, há certa beleza no reprocessar das formas internas.
A natureza drena esse poço imagético para revelar-nos as funduras da recriação de tudo o que fomos e podemos ser.
Ó glândulas de um abstrato felino, traga os olhos marejados, para que assim, eu enxergue o alvorecer que transborda das sombras.
- Letícia Sales
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