PLANETA LIBERDADE

Cansada, adormeci e logo mergulhei num sonho perturbador.

Flutuava eu nalgum lugar que me lembrava o espaço sideral, dentre estrelas incandescentes, qual fogos de artifício riscando a atmosfera escura e seca, rumo a um Planeta que eu já sentia não ser o meu.

Enfim, eu parecia estar totalmente fora do meu mundo.

Lembro que, ao ali chegar, respirei fundo como se intencionasse a troca dos ares contaminados que embebiam os meus asfixiados pulmões.

"Seja bem- vinda ao Planeta LIBERDADE!"-uma voz oculta me falou, assim que abri os olhos.

" Sirva-se da perene farra do nosso palco!"

Da plateia mais próxima, olhei ao derredor com cuidado e, ao abrir das cortinas, logo visualizei um cenário emblemático, como se o todo, que até então me era conhecido, estivesse notoriamente fora do lugar.

Homens desengonçados e vaidosos vagavam em discursos inaudíveis, dentre seres gibis sem rumo, que faziam caretas assustadoras e bradavam por promessas circenses.

A sonoplastia se compunha duma cacofonia sinistra que diziam ser música.

As coreografias pornográficas, já espalhadas pelo todo do espaço planetário e euforicamente ovacionadas como arte, abundavam num nítido vazio de alma e de propósito.

Uma fumaça de cheiro ácido e hipnotizante nublava a atmosfera degradada e desgraçada.

Ali não havia fauna tampouco flora.

Lembro que senti saudades da vida essencial preservada.

Os livros flutuavam agonizantes, sem destino certo e me gritavam por socorro.

Lamentei não poder socorrê-los naquela dimensão tão perdida.

A moral se identificava com todos os pétreos vícios abomináveis e a ética, já cega, perdera toda sua missão crítica, embora desesperada ainda se perguntasse sobre "os porquês".

Não havia como explicar os enredos que se identificavam como escolhidos.

As multitelas dos horrores, todas articuladas entre si nas correntes midiáticas sem elos de prosperidade, pregavam o hedonismo transformador como único caminho rumo ao êxtase coletivo "sem causa".

Lembro-me vagamente duns bonecos mambembes...flutuantes...a esmo no próprio espaço.

A indolência improdutiva dos marionetes se multiplicava nos alto-falantes das redes em circuito fechado onde sempre chegava mais um .

As línguas se misturavam em dialetos violentos e ininteligíveis; a dignidade das existências apodreciam dentre as corrupções articuladas.

Qualquer conhecimento a melhor seria apedrejado sob pena de delito a se pagar caro.

O amor era admirado e zombado como peça empoeirada dum museu do outro mundo, do qual um dia já se ouvira falar.

Quando a Justiça, também assustada, bateu seu último martelo das impossibilidades, lembro-me que fechei os olhos e gritei - "onde estou, seria no inferno?!- mas ninguém respondeu à minha agonia, para a qual ali não interessava acolhimento, nem de corpo , nem de alma.

Alguém, sob o som das cuícas e tamborins, ainda me gritou: "regozija!"- mas não me foi possível porque ali não havia dicionário que se fizesse entender a semântica essencial da luz em meio às tão "fúlgidas trevas".

Não me restava outra saída dali: travei os dentes e tentei acordar...numa emergente volta a mim.

Enfim, como num milagre dos céus, despertei no mais improvável retorno, numa das mais triunfantes voltas aos sonhos impossíveis...

Foi quando, euforicamente, me constatei lúcida de ainda pertencer ao meu mundo.

E para entender que: é nesse pertencimento que reside a perene órbita do nosso inalienável Planeta Liberdade.

Fora disso, todo o demais é dura, indelével e invisível prisão .