Sobre as (Não) Amarras

[...] Que eu possa, enfim, ser jovem, e chorar todos os choros que são meus, e amar todas as dores que são minhas. E desatar, docemente desatar todas as amarras tecidas pelos meus dedos que não eram meus, pelas minhas mãos que não correspondiam ao movimento primeiro de meu coração, pela minha existência que não se fazia em mim, desatar o meu hesitar, o meu relutar, desatar com um fio de um sorriso qualquer as muralhas absurdas que eu alimentei. Desatar cada riso que contive por medo de no amanhã chorar, e desatar cada sonho que eu sonhei em desespero, e fazer do grito um pó de passado, um anjo que se despede.

Agora que já morri, posso viver.

Como quando a lua já não tem mais horas,

Põe-se o sol.

Os risos que não ri e toda aquela graça perdida,

Cobrem-me de uma vez a face.

E todas as cores que deixei de capturar

Desenham de uma vez os meus olhares.