O meu mundo? Que é que tem, meu? Mundo? Meu? Meu, tudo o que pra você é imundo.
O meu mundo? O meu mundo é simples, é aquele que você olha, mas não quer enxergar, é aquele que lhe aborrece, lhe incomoda, lhe molesta a consciência, o meu mundo é aquele caminho que lhe perturba, que lhe faz um zumbido estranho quando você o considera, é aquela placa que você vê todo dia na travessa e só olha e acha estranho, é aquela avenida onde seus pés têm medo de cair. O meu mundo é aquele som assim, que lhe circunda os ouvidos quando não há mais nada no domingo de manhã, é aquele desejo de existir que só dá de sábado à noite. O meu mundo é aquele livro, sabe, que você entra na livraria e fica vendo na estante, com vontade de ler, sem coragem de comprar, ou porque é muito caro e fino, ou porque é muito grosso e complicado. Meu mundo não tem custo/benefício, nem hipoteca ou crediário. E ele é assim, que nem aquela rosa que nasceu em meio das marias-sem-vergonha, é a rosa que reina sem roseira, é o amontoado das marias-sem-vergonha que sabem da sua beleza ao olhar pra rosa, o meu mundo são as marias-sem-vergonha que se fazem de roseira. Meu mundo não tem portão, não, nada entra, nada sai, só existe, faz-se ali, como cá, como lá, comum se faz tudo lá, é aquele passo seu que de repente diminui quando no vidro do consultório, do lado do racho de tiro, você vê o passarinho a cantar. Meu mundo é aquele dia que saiu mais cedo do trabalho e acordou mais tarde pra poder sonhar. Meu mundo é aquele cachorro que ninguém quer comprar, que deita e se suja, brinca e lambuja, fica cheio de marcas de vida, nas mordidas põe-se a falar, é o cachorro que já ficou com o pêlo de toda cor, não conhece ração na boca, não tem quintal pra rodar, meu mundo é o cachorro que conhece a rua, e se diverte em caçar. E o meu mundo é aquele negócio assim que você sempre quis perguntar pra sua mãe, é aquilo lá que o seu pai nunca quis lhe explicar. O meu mundo é aquela comédia que você viu lá na locadora, não pegou, achou que estava errado, os atores eram muito sérios pra uma risada ganhar. O meu mundo é aquilo que você se põe a espiar no esconderijo do seu coração, quando no sonhar dos seus olhos abertos, o horizonte da aurora acorda seus pés e lhe põe a andar. Meu mundo não é todo branco não, ta mais pra cor da lua, é meio encardido de tanto usar. Meu mundo é aquela novela, aquela vergonha intelectual que você detesta admitir gostar. Meu mundo não reflete nada não, é só eu, fui eu que plantei, sou eu que limpo todo dia, e aquela bagunça no canto, fui eu que deixei. Meu mundo é onde quando você era criança achava que iria chegar, daí o tio da banca disse que não tinha mais lugar. É o que você sente quando tem vontade de rir, mas tem que calar. No meu mundo não tem imaginação, não tem realidade, tem só o que há, o que existe em Deus, o que Deus pôs a sonhar. O meu mundo é aquela saia florida fora da moda que você não teve coragem de usar, é a bugiganga que você vê na loja, que se põe a namorar, é a inutilidade do capital que lhe leva ao riso inocente, custa pouco dinheiro, embeleza a casa, tira-lhe do corriqueiro. Meu mundo é quando você comprou aquela roupa e lingerie nova e não ficou esperando ocasião especial pra usar, o meu mundo é quando você perdeu... o medo de amar.