Há sempre espaço nessa sala
Eu me refiz de acasos e te fiz refazer em mim todos os acasos de ti. Adeus, mas que o amor morre num canto pra nascer em outro, esvai-se num tom pra se pintar em outros. Adeus, que não me cabe mais em espaços de amor comum, não me cabe mais em desejos, em vontades de hora qualquer. Adeus, que meu amor foi para outro lugar, pra lugar algum que eu possa ver, o que eu sinto eu já não vejo mais. Adeus, que de palavras o meu amor não se reveste mais, que não se vê mais tanto em luz, tanto em sombras. Adeus, que o amor que outrora senti já não sinto mais, que aquele amor em mim já não se move mais, já não me chama mais. E te enganas tu, que nada entendes, ou que do nada tudo compreendes, e se enxergas minha alma sabes, é adeus porque a mim não cabe mais o amor que te sentias, ele não mais existe porque já sou ele, porque te amo agora, além do amor. Porque ele não mais se sustenta em mim, eu o sustento, ele começa em mim e ele se alimenta enquanto respiro, ele não mais se move em mim, porque ele sou eu me movendo. E nem de luz e nem de sombras, nem de sim e nem de não, possibilidade nem circunstância, se eu ando esse amor anda, se eu vivo ele vive, não há distinção.
Há sempre espaço nessa sala, nesse amor. A porta que foi aberta, não importa se foi fechada, da sua abertura já dispersou luz, a vida por detrás dela já foi revelada. E nas águas turvas, a circundar a sala, há sempre espaço nessas curvas, uma gota a mais nessas águas, uma porta a mais pra tua luz, um momento a mais pra te encontrar. No canto, vem o movimento, para o que é inerte, a esperar, vem a água a roda a girar. Nessa sala, pela porta, na luz, há sempre espaço pra te ver chegar.
Na saudade, a minha idade se completa, se desenha a minha face, e no espelho, se completa a saudade, na minha face, a idade se desenha.