O que é incansável vence pela doçura
Todo controle é uma ilusão. Que a vida possa ser chamada com voz pura, sem máscaras. Eu nunca fui jovem, nasci velha e em meus primeiros passos já persisti a envelhecer. Sempre amei o sol, mas sempre só atentei para a lua, sempre me envolvi no mistério, mas nunca vi clara a sua beleza. Que eu possa, enfim, ser jovem, e chorar todos os choros que são meus, e amar todas as dores que são minhas. E desatar, docemente desatar todas as amarras tecidas pelos meus dedos que não eram meus, pelas minhas mãos que não correspondiam ao movimento primeiro de meu coração, pela minha existência que não se fazia em mim, desatar o meu hesitar, o meu relutar, desatar com um fio de um sorriso qualquer as muralhas absurdas que eu alimentei. Desatar cada riso que contive por medo de no amanhã chorar, e desatar cada sonho que eu sonhei em desespero, e fazer do grito um pó de passado, um anjo que se despede. Desatar cada coisa que não comecei por medo que no amanhã não perdurasse ... E que todo vazio seja uma nova criação, crie uma nova ação, estenda nos braços todas as novas direções. Que cada vazio seja uma nova criação, ainda sonolenta, acordando para encontrar no coração dos meus sonhos, o silêncio da felicidade, o mundo paralisado da máxima realização. E que eu possa sustentar todo preço que tiver de pagar. E embora eu tenha já vivendo em cores no meu coração muitos amanhãs, levo comigo apenas a hora em que vivo, a única realidade que se faz sem que eu a configure, a vida como rio e mar, a vida simples em meu pulsar, sem que haja prazos para ser feliz, sem que haja condições para celebrar. E empresto um sorriso sem desdenho, suave como o dia que chega sem preocupação alguma que não a de trazer a luz, empresto um sorriso aos meus pensamentos, eles que são tão cinzas, infinitos em sua falta de propósito, em sua inutilidade, e os desfio e os coloco em uma nova conjuntura de estrelas, para que abandonem minha mente e sejam brilho de minha existência, focos de consciência em tudo o que eu experimentar. Meu coração pode conhecer serenidade e relaxamento, mas nunca descansa em dormência, nunca deixa de sentir a vida e nunca vai deixar de buscar a vida máxima. O que é incansável vence pela doçura do que deseja, estraçalha muros com sopros de alegria, e persiste a andar devagar. O que é incansável não conhece o abismo do pensar, vai-se e volta-se no invisível de cada existência. O que é incansável em mim não espera circunstâncias favoráveis, ou aprovações distintas, o que é incansável em mim se diverte com as contrariedades, brinca e dança com todos os nãos até que se cansem e se entreguem. O que é incansável em mim não sonha nem projeta, não pede nem deseja, só faz do meu corpo a morada de suas ações, e da minha alma o abrigo de sua percepção. Não existem mundos separados, ou corações que não possam se encontrar no limiar de cada noite, no extremo de cada mistério impronunciável. Não existe sacrifício daquilo que nunca pode morrer ... Cada segundo é o último para se reinventar. E perdoem-me todos os limpos e “livres de pecado” dedos que me apontam na cara, mas a natureza de tudo o que preenche meu coração não pertence a vocês, não nasceu em vocês, e não responde às suas leis, nem às suas concepções de certo e errado, e, francamente, talvez eu prefira que me considerem sempre errada, considerando quais as leis que lhes regem, quais os valores que permeiam seus julgamentos.