O Agora
Nada é maior ou mais sagrado do que o fato de que, agora, não estou indo a lugar algum...e de onde eu vim as palavras já cessaram, o tempo de resgatar o tempo, de reconhecer o tempo que se foi é acabado, o tempo de me ver nas coisas que já se foram se encerrou, agora é tempo de saber que não há tempo algum, e que não há nada além disso a se saber sobre o tempo. Aqui, de onde eu estou, não posso ir a lugar algum, mas posso mover todos os lugares até mim. Não, não há como eu me deslocar, só há a possibilidade de que eu leve tudo o que há em mim, a todos os lugares. Aqui, de onde eu estou, no perigo não há a necessidade do livramento, há só a esperança da coragem de enfrentá-lo.
Aqui, eu hei de sempre me mover, porque o que tem asas é feito para voar. Aqui, não ouso defender a física imagem das minhas ações, aqui só há a origem de tudo o que me leva a fazer. Aqui, no que para o mundo se fez obstáculos, para mim se fez o caminho, no que para o mundo se fez o lamento e o pesar, para mim se fez o canto que precede a felicidade. Aqui, o que para todo o resto que há é uma marcha de peso constante ao objetivo que se vê, para mim é o caminhar cintilante da força do desconhecido, sem sons, sem gravuras, apenas com a vontade...
Eu não quero chegar a lugar algum, todos os lugares são aqui e se parecem com o que aqui vejo, e mesmo em face de toda vivacidade que já conheci, sei que o que aqui agora, é só latente...
Me disseram que no coração da vida eu encontraria um rosto de luz, e que em passividade ele me diria sobre todas as coisas, e me contaria sobre a minha existência.
E me disseram que no coração da vida a face do tempo se dissipa, e que os desejos não se fazem, em nenhum momento, guias de coisa alguma.
Me disseram que um dia eu veria asas sobreporem o Amor a qualquer marcha.
E me disseram que em face de tudo isso, eu conheceria um grande anjo.
E por tudo o que há de incessante eu procurei pelo rosto de luz, e pela ausência do tempo, e por não me guiar por desejos, e procurei pelas asas que dariam leveza aos meus pés, e me trariam o Amor, e procurei também chegar ao anjo...
E no coração da vida eu vi meu rosto, e por mim eu vi a luz atravessando os conflitos e criando a passividade, e eu ouvi minha voz a me falar de todas as coisas da minha própria existência. E vi as marcas do meu tempo e a matéria presa dos meus desejos se dissiparem nas asas que vi o Amor nascido de mim criar acima dos meus pés.
E no espelho eu soube que tudo sempre foi eu, e que todas as coisas sempre foram minhas. E que no brilho do meu olhar todas as coisas se criam, e todas as coisas recebem a minha criação, e quando tudo no que se pode crer é invisível, reconheci meu mais nobre anjo: a Esperança.
Pra parar de correr, pra parar de estender os pés, tortos, violentos, na busca vil, pra parar de correr, em rompantes de verdades exaltadas, que se gritam, verdades que se iludem e se enroscam no fio da mentira, pra parar de enraizar nos pés o chão, demasiado frio, demasiado fraco. Pra parar de correr, e rasgar a beleza do caminho. Riu-se o ponto de chegada ao lhe ver passar, rindo você, achando-se o primeiro a chegar, breve ruído do desperdício, de atalho em atalho, sem mais placas a acompanhar, corre, sem parar, nem viu o porto, discreto, parado a lhe observar, enquanto seus pés, insistentes, mecânicos, desestruturados, por ele passavam num fôlego, reconhecendo o movimento só sem fim, perdendo assim, o fim de todo movimento.
... que a felicidade vem devagar, em silêncio, ela vem sem conversar, e ela anda, e sem perceber, ela entende que é um vento, nobre, a lhe sustentar, e sem passos, ela salta aos seus olhos, distrai seus medos, lhe põe a seguir, mas só no andar. A Felicidade vem devagar, e conta aos seus pés que o ritmo é o do despertar, e que a força, o impulso, é a respiração de um segundo, é a estação de um olhar, e que ao porto, correndo, não pode chegar, as águas lhe molham os sapatos que tão rápido ali lhe fizeram estar, mas intactos seus pés não sentem o sal a ferir, não sabem, sem a dor, entender onde estão, ou entender que estão vivos, e ao revestimento de couro a queda é tudo o que há. A Felicidade vem, no meio do caminho, lhe convidar a tirar os sapatos, machucar os pés e andar, e sentir, na pele a sangrar que chegou ao porto, e que se mais andar, além, até água doce, em algum ponto, vai encontrar...