A Esperança

Que possamos sonhar não quando a noite e a falta de cores absolutas nos faltarem aos olhos a realidade, mas quando em face da realidade que dói os sentidos do corpo e estraçalha o movimento dos nossos pés se apresentar em dia claro.

Que possamos sonhar o mais difícil, perante à realidade mais difícil, e que possamos dar todo o trabalho ao coração, para que, por nossos sonhos, possamos reencontrar a simplicidade de viver.

Que possamos sonhar com a felicidade não em face da tristeza, mas na essência da alegria, para gerar mais alegria. Que possamos sonhar com um sorriso a mais no momento em que estamos sorrindo para que, da vida, possamos criar mais vida. E que possamos, ao nos vermos cobertos de otimismo, sonhar com tudo o que houver de ainda mais positivo.

E que se na escuridão sonhamos com a aurora, que na aurora possamos sonhar que ela sempre exista, e que se na luz apagada sonhamos com a intensidade do brilho, que na intensidade do brilho possamos sonhar com a nossa vida se movendo em calor e iluminação. E que se no adeus sonhamos com o retorno, que no retorno possamos sonhar com um abraço, que no abraço possamos sonhar com a entrega, e que na entrega possamos sonhar com o descanso, e que no descanso possamos sonhar com a vida nova que a nova energia criará. E que a cada criação possamos sonhar com os frutos de nós mesmos, e que em nós possamos sempre sonhar que sempre teremos um sonho, e em cada sonho sempre saber que encontraremos nós, sonhando um sonho diferente.

Eu vim de muitas direções, eu sustentei muitas estações, e eu agora declaro: pra viver, são necessárias todas as escalas, do grandioso fazer detalhe, e dos detalhes a costura de toda grandeza. Tire os sapatos pra poder andar, sinta o vidro a lhe rasgar, sinta o asfalto duro a lhe provocar com ardência no verão, a lhe imobilizar com o gelo no inverno, sinta a dor de saber que seus pés só têm a você para protegê-los, e você é tão frágil, e vulnerável às circunstâncias que não controla. Mas tire os sapatos pra poder andar, ou não ande de jeito algum. Viver pela metade é só uma jura sem coração, é só um jardim sem flores. Vai, que andar com sapatos é sobreviver, e se danar pelo chão é viver. Que as estações não são permanentes, e o seu universo vai sempre ao encontro das suas mudanças, seus movimentos... E sinta então quem agora lhe recebe os pés em ares e perfumes, quando todo o chão em que pisas são flores, e sinta então que tudo o que do céu desaba ao seu solo são folhas e leveza, e no seu novo cenário de alívio, sinta que pode confiar todo o peso da sua existência numa mesma tenacidade na qual jazia a sua fraqueza perante o que não era seu. Tire os sapatos pra poder andar, se for dar as mãos que sejam duas inteiras, a segurar firme, se for pra gritar, que grite não pra sufocar no travesseiro. Porque intensidade não é agressão, mas esquivar-se das próprias direções é ofensa... Se for pra medir tempo que seja ausente de ontem e amanhã, que seja no canto de um olhar, que seja nas frações de um viver que sobressai o hoje. E se for pra chorar, que seja da maior das dores. Tire os sapatos pra poder andar, porque nada lhe pede licença pra entrar, e a sua proteção tem que ser construída por cima das suas próprias cicatrizes. Tire os sapatos pra poder andar, tire a armadura pra poder amar.