Dos Remendos
E seu amor por si era em roupas coloridas, era em trajes que ultrajassem, e suas estampas sem padrão. Desenhou-se a partir de modelos, na verdade, então criou marca que não sabia se original. Reconhecia-se apenas em contrário de outrem, virava-os aos avessos, descaracterizava os tecidos finos a grossos modos de flores selvagens e cores de fogo. Um remendo grande, fio a fio ela desfiava as saias retas pra que rodassem, ainda que de panos pesados e demasiado consistentes, queria tecer-se de movimentos leves, ou criá-los da separação de camadas por demais consistentes. Cabia-se em tamanhos que não lhe eram de pertencer, e ainda comum era que rasgasse as golas, costuras, botões que a apertassem e encobrissem, aqueles todos que prendessem o de fora sobre seu corpo. Apreciava-se em cortes simples, caimentos clássicos com toques de renovação, o caimento fazia-se sempre então em observável contradição, sobreposição de cores e padrões, quando do uso de linhas se fazia jamais era reto sem que se cruzassem, jamais se cruzavam sem partir dos pontos, os opostos. Não raro era, embora, que se quisesse findar em cinzas e negros tons de não reconhecer-se, de camuflar-se dentre prédios e carros e fumaças, ainda não raro era que saudosa ficasse prontamente dos motivos tropicais e de fazenda. Seus botões não tinham casa já que nada nela encontrava por onde trespassar, muitos dos zíperes eram de funcionar por 3 vezes ou menos, no que seu movimento de abrir-se e fechar-se por vezes diversas empacava em suas células, cerdas, pequenos precipícios. Teve também modelos rejeitados pela técnica e pecava com assiduidade na conformação de tempo e estética, forma interna e aparência de superfície, vezes muitas fora tida como de estilo incompreendido, despretensioso, incomunicável, tantas outras ainda como de conceitos e malhas e camadas demasiadas misturadas e ininteligíveis aos olhos de especialistas ou imperceptível pelo senso comum. Sentiu-se proposta, impelida, atirada a abandonar as roupas e desnudar-se de si quando passou a não mais caber em qual fosse, e nem ferro as deixavam retas, e nem água as limpavam mais também, mas tinha uma necessidade de vestir-se ainda, havia o frio e o sol e todas as coisas que a machucavam e queimavam, e os perigos das coisas todas que a tocavam na maior de suas vulnerabilidades. Descamava-se. Sabe-se dela hoje a remendar o que do chão se fez em resgate, e a fazer-se em cominações inusitadas, algumas eram antigas as que desenhou por cima, outras foram por completo recortadas de seus todos e reinseridas. Sabe-se dela hoje por tender à desconstrução e reconstrução constante de seus tecidos.
É só de repente que se faz, é só de repente que se passa a existir. Que o antes cansa-se quando não mais encanta, quando o antes só chora e devagar foi que se esvaiu, incomodando em ser contínuo, mas é em lampejo que se instala o novo, é inesperado o que toma a alma, o que cobre a fome. Quando empalidece o antes e firma-se em desengano, troca de cena a alegria, é um acidente que traz um sorrir, é sem o compromisso ou a previsão, chega jovem e tropeçando o que ali não havia. Ah, o antes subsisti quando vem o de repente, trava duelo fatigado com o impetuoso, sabem os dois que o de repente que é maior e voraz e quer mais coisas.
Antes já se quis aquele de repente, aquele outro que surgira, mas longe ficaram as casas que habitava, do ânimo de acontecer ficara o antes pra trás arrematado. De repente gira o coração em outros círculos, imprevisto movimentar, gira a roda até um novo admirar, antes ausente, de súbito evidente.