Desbravar
Brava moça avistou terra nova, horizonte de cor outra, cara distinta, sons de outro pensar. A vida nova é quase sempre doce, quase sempre convite, a vida antiga é quase toda poeira, polir, esfregar para brilhar, quase nunca que dá. Mas a vida nova dói como parto de si mesma. Estava sempre grávida de si, ao que conhecia tantas chances de concepção. Era uma proposta de vida. Mas nascer de novo em um novo lugar é tocar, desconhecer, chamar ao convite, responder ao olhar, tudo novo, de novo. É brava a moça, no sentido do que o amor transpõe, transpondo-se à fronteira de si mesma. Mas a brava moça descobriu seu lugar em novo mundo, ainda havia de tropeçar, tem doce que criança vê e ama, vê e precisa e acaricia e lambe o doce e quase que se esquece de si. Brava moça não se esqueça de que és criança em terra nova, a tocar novas existências e cobrir as mãos de terra e tantas outras coisas que precisam de um bom sabão para sumir. Mas é brava moça que sabe brincar brincadeira nova e girar em novas direções, ainda há de, em suas caminhadas de passos por vez largos, por vez tímidos, encontrar partes outras habitadas dessa nova terra, com tantas outras criaturas brincando a mesma brincadeira há mais tempo, a ensinarem à brava moça novos movimentos, ou tropeçar em quem pelo caminho também acaba de chegar e ainda está a se lambuzar. Brava moça não vá parar de brincar.
Diz-se que criança não tem vergonha, que fala e se entrega, que ri na hora errada. Diz-se que criança não mede as palavras, derruba tudo na roupa. É bonita, mas dá trabalho. Que você possa passear descalça, calçar-se de danças, brincar-se de vozes, cantar-se de sobressaltos, pular-se em impressões coloridas, colorir-se de doces, doces, muitos doces, açucarar-se de voltas, voltas e meia voltas. Se chora, chora, alto ou baixinho, que seja sem vergonha, que seja com façanha, que seja pintando sol, de sete formas, de sete cores, de sete sorrir-se em todas as dores. Diz-se que criança aprende tudo mais fácil.