Elogio
I. Pirólise
Eu me visto em tarmacadam e vinil,
Enfeitado em borracha, látex e agulha
Eu me dou em betume e carne moída,
Que frito funda e a largo nesta gasolina
Os meus fumes dão nos olhos do mundo,
Onde fervo e cheiro, — eu arregaço
Esta janela estúpida que não dá na tua,
Mas neste cotidiano de noites interrompidas
Sons de repente, os gritos de fora,
O bater do maquinário inconveniente,
O subir e gemer intermináveis dos homens,
Que não servem a propósito algum
Que não o leitmotif de me manterem acordado
E engolido neste asfixiante alcatrão difuso,
O toldar de rótulos limítrofes: de cafeína à estricnina,
Mas longe do sonho rarefeito da tua voz fina
Tua forma
Tua mistura
Tua perícia
Tua fantasia
II. Canto
Assim, eu preferia que me odiasses,
Que só aí me escreverias como escrevem-se amantes
Acho que me preferiria se me amasses
Acho que detestaria que me amasses
Que só me detestando e te fazendo nojo
Eu dormiria em teu sono agora sem sono,
Onde noturnamente, como eu, rolarias
Queria ser dono deste teu sono
Dono da tua forma
Da tua mistura
Da tua perícia
Ser dono da tua fantasia
Ah, a tua fantasia
Tão leve
Tão linda
Tão distante da minha