Ana

Ana

Não sei se era com um “N” ou dois, só sei que seu nome era Ana. Nos encontramos na minha esquina favorita. Lembro que era um lindo dia de sol, temperatura agradável, daquela que não deixa as pessoas federem muito. Mas, voltemos a Ana. Ela chegou de mansinho e sentou a dois palmos de mim. Nos olhamos e nos medimos de alto a baixo, como os scanners costumam fazer, acho eu. Seus olhos estavam úmidos, fundos e ainda guardavam aquela aura de esperança, difícil de ver por aí. Fiquei tocado e pedi, com um gesto bem simples, para que se aproximasse. Ainda era cedo e dividi meu café da manhã com ela. Enquanto comia, observei suas mãos, seus dedos, suas unhas... Também contavam histórias como as minhas. De certa forma, éramos muito parecidos. Não dávamos a mínima para o cabelo desgrenhado ou para a moda. Era só Ana e eu. Todos os dias de manhã, parávamos em frente à padaria e depois comíamos olhando os jornais da banca. Passávamos horas apreciando o movimento das ruas, e ao menor sinal de perigo corríamos para nosso lugar secreto, as galerias que serviam de abrigo nos dias de chuva forte. Às vezes nos amávamos ali mesmo e também sobre a relva ao entardecer ou sob as estrelas nas noites quentes de verão. Ninguém nos via. Éramos invisíveis para o mundo, menos para nós.

Um dia, Ana foi embora do mesmo jeito que chegou. Ela não andava bem havia um tempinho. Cuspia sangue. Penso que possa ter morrido em algum lugar longe dos meus olhos preocupados. Ana não dava trabalho, só queria um pouco de proteção e afeto antes departir. Em breve me juntarei a ela. Hoje vi manchas vermelhas em meu colchão, mas a Prefeitura o levou.

por: Rose Paz

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