CONTOS DE OUTUBRO 2
Janeiro ( frio, segundo período escolar )
Não que me lembre de ser noite, mas era.
Havia luzes e silêncio, e o vento trazia cheiros de padaria.
O autocarro chegava tossindo, cansado,
antigo naquelas subidas sempre iguais,
viagem sim, viagem não, indo e voltando, cumprindo.
Chapinhava nas mesmas poças de água de sempre,
junto aos passeios, e salpicava sempre os mesmos pés
sem alternativas, em protestos esperáveis, conhecidos.
Logo depois da primeira curva, eu ainda procurando assento,
ia deixando para trás uma janelinha de luz crua e branca,
diferente de todas as outras,
onde um vulto começava a aparecer menos.
Eu crescia, resistia às horas ermas e ao tempo,
embrenhava-me na selva dos ponteiros e dos outros,
e minha mãe cedia ao conforto e ao frio desnecessário,
e sossegava, ficava dormindo, deixava-me ir, crescer,
seguir os meus caminhos que apenas começavam,
e a janelinha, agora, já se iluminava menos, ficava escura…
Conhecia os outros passageiros do autocarro das seis e quarenta,
e quem entrava na paragem seguinte, quem saía, e porquê.
Conhecia o motorista pelo nome, as suas folgas, e os filhos.
Tinha crédito, se me esquecia da carteira nas outras calças.
O cobrador de sempre, emprestava-me dinheiro para o almoço.
E também era assim depois, no comboio, a caminho das aulas,
e o mesmo se passava no regresso, à tarde.
E o tempo corria lento por entre o que tinha de ser feito,
e eu era só aquele garoto do primeiro autocarro do dia,
preparando-me para ter dez anos, cheio de livros,
óculos tortos e sonhos por realizar.
E hoje, não lembro mais que fosse de noite, mas era,
porque havia luzes acendendo-se nas casas, poucas,
e estrelas nas poças de água, quando as estrelas se viam….
E um autocarro que sempre chegava tossindo, cansado,
uma janelinha que se iluminava cada vez menos,
um tempo escasseando por entre o necessário,
uma vida inteira, que parecia faltar para as férias…
E ainda era só janeiro.