CONTOS DE OUTUBRO
Do outro lado do vidro, o cinzento dos dias
e aquela fumaça lenta das castanhas assadas, misturados,
perduravam entre os prédios adormecidos às centenas,
como se fossem um todo. Parecia mais, até,
um liquido transparente fumado
que alguém houvesse derramado no mundo,
e parecia haver um perigo real em abrir a janela,
deixar entrar tudo isso, e ficar afogado em algo
que seria o contrário de imensidão…
Por isso enfrentávamos a vida de mãos dadas,
com essas interrogações nos olhos vagos de Poetas
-olhos que um dia exibimos em plena ingenuidade,
enquanto deambulávamos pelo mundo intrépidos,
como quem tem sede de ser sempre mais horizonte,
em promessas de eternidade com detalhamentos
feitos de dedos entrelaçados nas fibras das almas.
Corríamos depois das aulas
até ao barracão de madeira, antigo,
onde desmontávamos o tempo amando-nos em pé, e
olhando o mundo pela janela das traseiras, lá de cima,
num arrepio de espaços.
De braços abertos ao abismo frágil do vidro, desafiantes,
amávamo-nos lentamente sorrindo das teias de aranha
que se nos emaranhavam nos cabelos e no medo.
E ríamos de nós, e dos que não olhavam para o alto nunca.
Noutros dias, corríamos de outra coisa qualquer,
por qualquer outra razão, e o frio apenas se aproximava,
e não era mais que uma promessa, como nós,
porque trajávamos já o futuro, e éramos felizes,
e tínhamos nos olhos o beneplácito de Deus
e aquela espécie de pureza única das consciências
que nunca ninguém interrogou…
E ainda era só Outubro !