Ode as maritacas

Cotidianamente, enquanto o horizonte vai sorvendo os últimos tragos de luz num entardecer digno de nota, elas começam a chegar.

Cortam o céu geralmente aos pares em grande algazarra, flechas verdes e barulhentas em uma inquietação frenética.

Chegam aos poucos de destinos incertos e não sabidos, mas logo formam uma massa compacta, homogênea e estridente, um grande conjunto verde, de bicos, penas, asas e tagarelices.

Parecem por em dia a conversa sobre suas andanças; embora voem; sobre o dia que agora agoniza no horizonte.

Tomam os coqueiros da pracinha do meu bairro na minha pacata cidadezinha interiorana.

Parecem formar uma única composição com as palmeiras onde pernoitam, camuflagem perfeita, não se sabe onde é palmeira onde é maritaca.

Quando parece terem sossegado, blefe; repentinamente levantam voo aos bandos numa revoada entrosada e muito bem coreografada.

E assim, de se aquietarem e se alvoroçarem, de revoada em revoada, vão encontrando seus pares e seus lugares, que parecem demarcados.

Uma desavença aqui, outra ali, aparentemente ora por um lugar errado ora por um parceiro alheio, mas tudo se resolve rapidamente as custas dalguns gritos e bicadas.

Tudo parece um ritual diário e necessário, minuciosa e religiosamente cumprido.

Então, quando enfim o dia se entrega à noite que começa a cobrir a paisagem e o silêncio se apresenta contumaz, adormecem monogamicamente de par em par misturadas invisivelmente ao verde das palmeiras.

Mas ao primeiro sinal do alvorecer despertam alvissareiras por um novo dia de voos, tagarelices e algazarras.

E assim segue a vida, elas levam sua rotina lá em cima sem saberem que cá em baixo eu levo a minha.

Pois bem...

a cada ser a sina que lhe cabe.