Escrevo reticências

Recentemente me dei conta, eu escrevo com muitas reticências. E não é novidade pra mim o fato de que pelo pouco que escrevo, eu escrevo mais do que falo, e ainda não escrevo tudo. Sempre fico com algo por dizer, por escrever. Escrevo como quem ainda formula, elabora e reflete, escreve, depois reformula e reecreve. Nunca está acabado, pronto. Sempre tenho o que escrever, ainda que não saia como o esperado. Uma faísca, um caco, um indício, algum sentimento sem nome e endereço, algo pra depois, em processo...

Escrevo com muitas reticências. Escrevo reticências. Porque talvez eu ainda não saiba o que dizer, como dizer, até quanto dizer, porque talvez eu ainda não saiba o que é. Porque talvez eu saiba que no fundo, por mais que eu fale ou escreva, nunca será o suficiente. Porque talvez o mundo não consiga me ler, já que nem é tão fácil me escrever.

Se me vem o ímpeto da escrita, paro e escrevo, e se não escrevo, a ânsia me consome. Se me vem o ensejo, coloco-me na tentativa de transformar em letras o que se passa nas minhas vivências, sendo ao máximo fiel, sincera, autêntica e completa. Mas eu sei, nunca terei escrito tudo... E esses três pontos sinalizam um porvir, um depois, um mais, um talvez. Esses três pontos abrigam vários pontos indefinidos, ainda não traduzidos. Cabem muitas coisas entre os três os pontos das reticências, e eu quero que caibam mesmo no que digo sem dizer, porque de todo modo estou dizendo.

Já me constataram uma vez, minhas cartas, mensagens e textos contêm muitas reticências, a ponto de fatigar o leitor ou irritá-lo pelo mistério, indecisão, indefinição, e assim desistir de me ler. Mas quando escrevo (ou falo) não passo pela lógica do convencimento ou da conquista, quando me exponho, trilho os caminhos da expressão, meu eu não descoberto, não desvendado, no mundo, com os outros, para os outros. Quando verbalizo é sobre o que consigo extrair de mim para o mundo e talvez não consiga tudo, não diga tudo e nem saiba tudo, sobre mim, sobre o mundo e sobre os outros, independente do assunto. Então quem me ler ou me ouvir que realmente esteja inteiro no presente encontro comigo e não condicione a um modo de expressão.

Eu escrevo reticências, muitas reticências... Eu sei nunca saberei tudo sobre mim, eu me refaço dia após dia e às vezes não tenho respostas, eu me descubro a cada dia. Eu sei que nunca saberei tudo sobre os outros e sobre o mundo, trata-se do externo e de uma transformação constante também. Escrevo reticências ciente dos encontros, das descobertas que só os encontros permitem, o encontro de si para si, o encontro de si com o papel e o encontro de si com os outros. Escrevo reticências, às vezes com afirmações vacilantes, pelo incerto e pela abertura que me proponho às mutações da vida, às descobertas, reconstruções e reencontros após desencontros, pelo novo de cada dia que nos renova. Escrevo reticências porque não estou pronta acabada, porque nada na vida, que é vivo, está acabado. Entre os três pontos cabem o infinito... Certifico-me de que minha escrita seja viva, que seja o reflexo de mim e dos meus processos. Certifico-me de que minha escrita seja real, ainda por crescer, encontrar estilos e gostos próprios. Certifico-me de ainda me permito não saber, aprender, de me surpreender diante da vida e me dou o direito de às vezes estar indecisa. Através da minha expressão, da minha escrita, certifico-me de que estou viva e de que me expresso, por isso, escrevo reticências...

05/12/2021