A BÊNÇÃO, PAI DE AMOR!

(Para a Débora Sophia Rubik Marchi)

Dentro de nós há sempre um personagem de várias faces, retrato de possibilidades várias para o enfrentamento do decorrer dos dias.

São poucos os viventes que se modelam criatura de Deus para se descobrir, para aumentar as chances de serem felizes e caminhar à margem dos conceitos usuais.

Descobrir o gosto do não feito, do não dito, do não ser usado, é, no mínimo, um desafio para a memória esfacelada. A intenção fratricida de estar fora do mundo é a negação dos valores que ornam a vida solidária.

Por vezes me parece que ser feliz é estar no outro, como Cristo andejou com o seu madeiro.

Feliz de quem assume a faceta das descobertas.

O beijo de Judas está sempre à espreita. Por vezes, a boca dos

homens carrega a palavra com a mesma dureza e peso do madeiro.

O estar no mundo é benesse que frutifica todos os dias. Andar e andar, curtir a submissão ao estado de graça da Poesia é estar rarefeito no lugar comum dos dias. Palavra sobre palavra, pedra sobre pedra.

É a alegoria de um cão lambendo roupas sujas de comida e se deliciando com a possibilidade de suprir a fome de sempre.

Desde que o mundo é mundo - como um relógio-ponto pra nos replicar aos desassossegos de cuca, de estômago e de intestinos - tudo tem entradas e saídas.

O bem-estar crístico tem o nome da paz dos desmemoriados, os que nem sabem por qual razão vivem.

A placenta em que nadam as palavras serve como quebra-cabeça ao Padre Nosso. E Ele, piedoso, nos apascenta na submissão dos puros.

Somos tão pequenos na face visível... As orações nos levam ao cadafalso da entrega. Morremos e renascemos em cada personagem. E o mundo reconstrói-se pelo mistério de nossas crenças.

Feliz de quem não tem a morte como final em si mesma. A solidão dos dias aconselha o cochicho com a divindade, mesmo que nos saibamos meras circunstâncias.

O amor geme a toda hora a sua beleza, entre a dor e a alegria. Ajoelhemo-nos! Não há nada mais supremo do que estar de joelhos frente ao dia seguinte.

Piedade é palavra viva para o casto exercício de dar e receber.

– Do livro EU MENINO GRANDE. Porto Alegre: Alcance, 2008, p. 293:4.

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