Poética - Quando Eros chorou
"O tempo é capaz de ceifar até mesmo a mais sublime das criaturas e o mais elevado dos sentimentos."
Por entre os becos do vazio, eu podia sentir o bater de asas sinuoso da pequena criatura alojada em meus anseios.
Teus movimentos eram como sátiras à minha independência
frágil e humana.
Já a tua flecha fulminava o meu coração e debilitava a minha alma (...)
Das chagas geradas por sua seta,
nasciam as rosas infecciosas do amor, cujo aroma insuportável da esperança penetrava os meus sentidos.
Eis que as pulsões humanas voltavam a eclipsar o
arguto ar da solidão.
Eis que a privacidade da alma
era-me roubada com o perdão de restaurar as asas que há muito me foram podadas.
"Na noite em que Eros chorou,
cupidos suicidavam-se ao injetarem
o amor nas veias do tempo.
Ponteiros colapsavam sob a overdose dos meus pensamentos
E a primavera das cicatrizes implodia por sobre os abismos deixados em minha alma."
O segredo químico rastejava
em minhas veias, e ao pungir-me, tu veria-me escorrer em uma acre fragrância incorpórea.
"- Ah, como na poética de Medusa,
eu poderia evitar aqueles olhos para fugir do meu próprio reflexo,
Mas esculpir-me em teus encantos, fazia-me serpentear em novas formas de mim."
Quando Eros chorou, o tempo, embora embriagado pelos devaneios do amor, já o enfraquecia com doses de realismo e reclusão forçada.
Do céu caiam arcanjos petrificados e plumas manchadas com o sangue da solidão.
No dia em que Eros se foi, teus ígneos resíduos já excediam a vida e impeliam-me a escrever as poesias mais desconexas da terra.
- Letícia Sales
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