Intoxicação Alimentar
Hoje à noite enquanto se banhava recordou de um antigo poema que escreveu para uma amiga inspirado por uma fotografia postada por ela no Facebook, então fechou o chuveiro e pegou o celular decidido a encontrar nas inúmeras postagens, a singular homenagem. Não só a encontrou como encontrou-se anos atrás, antes da infecção comprometer seu organismo e quase matá-lo.
Era tão estranho como aquela criatura doce, polida e gentil já trazia em oculto os esporos bacterianos nas profundezas de sua existência, o quão bom fingidor ele já era projetando o amor dos outros em si, enquanto o próprio permanecia abafado dentro do peito gordo. Enorme era seu coração tímido, acanhado, mas de muitas palavras. Para ele o amor era uma enorme vitrine de confeitaria em que as pessoas eram as forminhas de onde desabrochavam seus corações melífluos em docinhos diversos, oferecendo-os aos clientes que os tomariam nas mãos e os deglutiriam num relacionamento. Via com frequência amigos e amigas serem devorados conquistando seus pares amantes, contudo o seu coração permanecia ali exposto à espera do calor de lábios, ferocidade dental e maciez de uma língua, contudo seu suculento camafeu permanecia intacto. Com o tempo venderam-se todos os doces menos um que esquecido ao fundo da vitrine ressecou, embolorou, feneceu e como veneno amargou.
Tomou o velho doce de nozes estragado e ele mesmo o devorou, seus olhos reviraram, de sua boca voaram quatro arautos vernáculos que se manifestaram transformando-o para sempre.
Doeu.
Ardeu.
Sangrou.
Morreu.