Um bate papo quase filosófico
No entanto, meu amigo. Parou e em seguida continuou. Nada do que eu diga, embora, acredite, não seja minha pretensão, possa fazer com que mude suas idéias.
O fato primordial da convivência humana, assim como o convívio com os animais, é que para ambas relações, se exige, mesmo que sem consciência, um se desprender de si. Se desprender de si, julgo ser o mais primordial dos mecanismos de entrega. Sim. Pois, se desprender de si, significa abrir-se para o Outro como se esse outro, ainda que por uma minúscula fração de tempo, fosse aquele, quase como um ente divino, a quem se devota parte da própria existência. É um entregar-se como a noiva e noivo se entregam na noite de núpcias; sem meias medidas, sem meias morais, enfim, sem nada que intermedia aquele momento, que é sublime. Assim, também, me parece ser a relação isenta de interesses e intermediações.
E algo que não se encontra nos manuais. Não está em nenhum código de etiquetas, nem nas memorialistas dos mais ilustres dos filósofos.
Olhar o outro, não como se fosse um estrangeiro, ainda que de terras distantes, mas como se fosse um irmão, não aquele irmão com quem se compartilha o parentesco e a genética. Mas, um irmão que se associa a nós, que se conecta a nós por uma espécie de humanismo diluído no ar. Um humanismo que nos chega da mesma maneira que o oxigênio, e que, tal qual o necessário gás, também garante nossa sobrevivência.
Então, concluiu, após breve pausa, entendo que a razão, e a importância, da nossa existência, só, e não poderá ser diferente, terá sentido quando olharmos o Outro como aquele que nos dá existência. Sem meias palavras, sem meias medidas, sem intermediações.
Ao fim, de maneira quase cinematográfica, lentamente, pegou seu chapéu e cigarros. Levantou. E num suspiro de quem sabe que nada finda, pois não ignora que a vida é apenas um fragmento na existência, levantou e saiu naquela noite chuvosa.