Visto-a de noiva
Sempre gostei dos meus caninos, mas hoje vi a forma como encaixam perfeitamente um no outro e não conseguia parar de imaginar a veia de um pescoço feminino que tenha o infortúnio de parar na minha boca, causando uma explosão de sangue pulsante que pintaria os meus dentes brancos em vermelho, como a neve por baixo dum cadáver de raposa. Com gotas a saltarem-me para os olhos e escorrendo-me pela barba, pingando o chão de madeira, deixando marcas forenses de que ali houve amor. Sugar todo esse sangue até que fique fraca o suficiente, ao ponto de quase desmaiar. Ver a pele pálida e trémula como de quem ficou sem essência. A única cor que lhe sobra ainda é o azul dos olhos, também ele pálido, a face corada e as manchas de sangue que nela se verteram. Fico com pena. Agarro numa lâmina e passo-a pelo lábio, como um menino que descobre o mundo com a boca. Inclino-me em direção a ela, beijo-a. Alimento-a, e deixo-a sugar-me até se sentir viva novamente. Limpo-lhe os cantos da boca. Trato-lhe a ferida. Visto-a de noiva. Esfaqueio-lhe o coração, para ver se desta vez não suja tanto.