Recordações empoeiradas
Na Rua das Araucárias, tem um velho prédio onde costumava passar longas horas da minha infância. A antiga Biblioteca Municipal, que eu seu auge, foi um lugar onde centenas de pessoas passavam diariamente, hoje dá lugar a ruínas, tão decadentes que dá um nó na garganta de ver.
Dias atrás, passei de ônibus por aquela rua. Depois de um exaustivo dia de trabalho, estava quase a adormecer, quando com um solavanco acordei. O abrir de olhos deu-se exatamente em frente ao prédio hoje abandonado. Num rompante, toquei a campainha para que o ônibus parasse e como que teletransportada, quando dei por mim, estava em frente aos velhos portões de madeira (parecia aqueles portões medievais, com estruturas de ferro entalhado).
Fechei os olhos por um instante e o pensamento me trouxe à outras épocas, onde o suntuoso prédio abrigava o conhecimento, a cultura, sentimentos...lembrei-me até do cheiro: cera e querosene! O chão de assoalho, parecia um espelho de tão lustrado, visto o capricho da faxineira. O cheiro de querosene, dado pela constante limpeza das estantes e livros pela bibliotecária. Seu nome era Márcia! Uma mulher esguia de cabelos louros encaracolados, cujo nariz era fino e arrebitado, onde sempre, quase que minuciosamente posto, havia um pequeno óculos que a todo momento era ajeitado com o dedo indicador - gesto que era sua marca registrada.
O velho portão, fechado com uma corrente enferrujada, possuía um vão de abertura como se alguém tivesse já em outros dias forçado a entrada. Esgueirei-me por entre ele e entrei.
Logo à entrada, a bela escadaria em mármore com corrimão de bronze, que assim como todo o prédio, sofreu com o descaso às ações do tempo. Já não era mais tão vistosa, mas não perdeu a sua pompa.
Subi os degraus e percebi que a porta estava entreaberta. Arrisquei-me, mesmo sem saber o que me esperava porta a dentro.
O ambiente era escuro, mas os raios solares atingiam vigorosamente o seu interior, dando toques vívidos ao salão, onde milhares de passos tiveram seus ritmos embalados devido a solene madeira de Ipê que recobria todo o chão.
As memórias foram saltando, feito os itens da caixa de Pandora. Memórias tão afetivas e nostálgicas, que consternavam o coração.
No fim do corredor, uma velha estante decorava o ambiente. Nela um único livro empoeirado restava. Parecia que a saída deu-se com tanta pressa que o pequeno e rejeitado solitário, para trás foi deixado. Retirei-o da prateleira, assoprei vigorosamente e depois de algum esforço, a capa embaixo de tanto abandono foi revelada. Reconheci de pronto: uma antiga companhia da infância - um livro recomendado por uma professora do primário - um dos primeiros livros que li. Reli tantas vezes, que as palavras já eram decoradas. Ensaiei um verso e ele estava lá: fresco na memória.
Abracei-o como criança que encontra um brinquedo há muito perdido. Revivi tantas memórias, tantas palavras, tantos momentos!
Meti-o na bolsa e quando dei-me conta, haviam poucos raios solares atingindo os antigos vitrais. Era hora de ir, mas essa preciosidade ia junto comigo.