Ouço
Villa- Lobos dizia que o ouvido de fora não é o mesmo que o de dentro. Ele tinha suas razões, vivia em um corpo de artista.
É percebível o fenômeno em mim. Ao realizar a entrega para aquilo que tenho pronto, a escrita, adianto-me para estar à serviço do imaginário.
A alma que porto expande, sai de um recipiente, parecido com o da lâmpada de onde emerge Aladin.
Torno-me toda para o ouvido interno. Por ele, cataliso os sinais trazidos pelo coração de que a hora do labor se aproxima.
Seja o que for que esteja fazendo, promovendo paz, ou guerra, fuxico ou mexerico, em meio a dor ou horror.
Me pego pelas mãos, coloco em movimento as rodas da cadeira. Ajeito-me num canto, redimensiono o olhar para dentro.
Meus pés, ouvidos, meus olhos, minha boca, meus membros, são transportados para o estado ausente-presente. Existe somente Eu.
Me pego como que na pilotagem de uma aeronave, a frente do painel, com a direção à disposição para decolagem, sem o mapa e o trajeto.
Contudo, liga em meu ser uma certeza que vive pronta. A escrita.
Como o ponto G para o prazer, a pitadinha de sal para levar ao ponto, o tempero doce, o fogo, para dar a finalização flambada no menu; conecto-me a uma musiquinha baixinha aos ouvidos externos.
Conheço quando um sinal retumbante além tempo-espaço me chama, que não pelo nome do registro de nascimento.
Tomo consciência do outro estado, o de dentro, e somente quando estou nas alturas, iniciando uma narrativa, um poema, uma prosa, tomo consciência da inteireza da habilidade.
Em altos voos, muitos que tenho feito, sinto-me tão mim! Piloto aeronave conhecida, o painel, instrumento íntimo.
Cada palavra, cada ponto e vírgula, cada símbolo da palavra escrita manifesta, nasce junto, o sentido, o conteúdo e a forma querida.
Imaginemos esses instantes como o carimbo e a impressão dele no papel. O que fica exarado, manifesto, foi tudo querido, delineado nas minúcias por mim. O carimbo e aquele que carimbou. Somos Um.
Sensação parecida deve ser o do artesão ao final vendo a arte realizada, manufaturada nos detalhes por si, o mesmo, a satisfação do oleiro, do carpinteiro, do compositor e coisa e tal.
Ao final, o trajeto, a viagem planejada, o destino, a aventura vivida, uma vez refletido em meu ser, denuncia a Totalidade que fui.
Contudo, para a beleza ser encontrada, o sentido profundo da experiência, não basta a realização do texto, mas a sincronicidade com um sentimento profundo de ser filha da Paternidade Divina, que me fez justamente para ser assim.
A água nunca volta correnteza acima para dizer como foi o percurso.
Não tinha dito destas coisas ainda, ao certo, por serem tão naturais em mim, dispensava nota.
Sentires que demandam provas, passíveis de refutação.
Coisas minhas.
Hoje entendo Villa-Lobos.