Tempos idos, mas jamais esquecidos
Saudades das brincadeiras de rua, das cantigas de roda, da roda imensa de crianças e adultos, que tomavam conta da rua tendo como iluminação apenas o fogo da fogueira, ou a luz da lua, e em uma só voz, íamos ao tororó beber água e nunca achávamos, mas no outro dia lá estávamos todos novamente em roda ao tororó indo.
Mas a morena sempre lá estava, e lá mesmo a deixávamos, para nos receber quando ali novamente retornássemos.
E não nos incomodávamos em deixá-la, pois ainda teríamos de pegar o lencinho branco que caia ao chão, para ver se encontrávamos a moça-o bonita de nosso coração, a passar o anel de dedo em dedo, tentando adivinhar quem ele guardava, e a sonhar com uma rua ladrilhada de brilhante para o nosso amor passar, e talvez por ali passasse a morena do Tororó ou o moreno quem sabe.
Saudade dos eclipses do sol, porque os da lua quase não víamos por estarmos já com as galinhas dormindo; é que com os galos teríamos de acordar para no outro dia para a lida cuidar, mas no do sol, lá estávamos todos assustados, amedrontados até, e era o escurecer do dia que fazia muita gente se desfazer de tudo por imaginar ser o último dia.
E sendo assim, pegavam as economias e realizavam todos os desejos dos filhos, comprando o que eles sempre queriam e não podiam ter, como balas, doces e brinquedos. Assim minha mãe fazia!
Saudades do sabor da carne de galinha em fartura, já que em dias normais era coisa para visita, sobrando aos da casa apenas o que sobrava, e nem os ovos se tinha, pois viravam roupas e sapatos na barganha com os mascates que por ali iam.
Pior era depois, ao se descobrir que o fim não se fizera, aí passava-se dias apertados, mas felizes pelo mundo não ter se acabado, até que passado o tempo, novamente se restabelecia as finanças, mas isso durava só até que um novo eclipse se anunciasse, e ai o medo nos fazia cometer novamente o mesmo erro, por que da ciência e astronomia nada se sabia.
Mas eram dias felizes, pois era esse o único medo que tínhamos naqueles dias.
Saudades dessa inocência que nos acometiam, adultos jovens e crianças todos envolvidos em uma inocência que nos unia diante de uma fogueira, embaixo de uma figueira, ou nos alpendres das casas apenas para uma prosa, ou para observar o céu estrelado quando os finais de semana chegava, e podíamos nos dar ao luxo de ficar um tempo a mais acordados, mas sem poder contar as estrelas, porque o apontar o dedo para conta-las, verrugas neles nasceriam.
Mas éramos curiosos e ávidos de novas descobertas, e tínhamos também as disputas que nos tornaria mais espertos, então mentalmente nos perdíamos na imensidão do céu contando e recontando, sem nunca atingir a meta de descobrir quantas tinham na imensidão do universo, hoje sei que isso era normal, afinal infinito é esse nosso universo.
Mas bom mesmo era quando uma estrela cadente surgia, fazíamos pedidos secretos, mas que no fundo todos sabiam, pois todos desejavam a mesma coisa, uma vida melhor, saúde paz e felicidade, e que pena que não sabíamos, que já tínhamos tudo isto ao nosso alcance.
Saudades do tempo em que o rádio de pilha era o único da época por não haver energia, e nas cozinhas escuras iluminadas apenas pela luz de lamparina e aquecida pelo calor do fogão de lenha, ouvíamos Tonico e Tinoco, Tião carreiro e Pardinho, Vicente Celestino e tantos outros da época, e cantarolávamos juntos, enquanto a refeição por nossa mãe era preparada.
Saudades do tempo em que nossa mãe só precisava secar os olhos lacrimejantes pela fumaça da lenha verde em tempos chuvosos.
Saudades do tempo da televisão preto e branco, e que quase ninguém tinha, e quem as tinha, com o tempo dela se cansou e uma nova invenção se usou, para a tela colorir e fingir que o progresso chegou.
Era até engraçado vê tanta euforia, quando se colocava uma tela colorida na frente do monitor, e sentávamos todos olhando as imagem distorcida, com cores que faziam os rostos hora azul, rosa, amarelo e até vermelhos, nos dar a alegria de poder compartilhar momentos de emoção por apenas ter uma televisão, e não mais precisar incomodar os vizinhos na hora da novela, ou programas de auditório nos finais de semana.
Saudades das fitas cassete, dos gravadores de voz, onde cantávamos, gravávamos e depois ouvíamos rindo do som da própria voz, que nos parecia ser desconhecida.
Saudades também do tempo dos vídeos cassete, e de quando íamos aos finais de semana em uma locadora andávamos entre as prateleiras escolhendo os filmes entre comedia, românticos, aventura, suspense e infantis, mas sempre nos desviando dos corredores pornô, eróticos ou sensuais, e se assim agiamos, era por sentir vergonha até de olhar o titulo do filme, que por nós era visto como sujo, impuro ou depravante, sem saber que no futuro eles seria tão normais e constantes.
E assim, reunidos nesta "Aventura", que por sinal era o nome da locadora ( risos), cada um escolhia um filme a seu gosto, afinal teríamos o final de semana todo para juntos curtir a família, e ao chegar em casa, reuníamos todos na sala para juntos assistir, e quando a fita engasgava, enrolava, ou simplesmente travava era um terror, pois ficávamos entre a decepção por não poder ver o final e a insatisfação de ter locado uma fita com problema.
Neste tempo, queríamos sempre estar a frente, e quando o vídeos cassete foram ultrapassados pelos cd player, foi uma inovação, mas ainda assim continuávamos reunidos na sala vendo os filmes em melhor resolução e nos sentindo dentro da modernidade, sempre na expectativas de que no futuro as inovações se superariam, e isso fazia- nos sonhar com um mundo mais fácil de lidar, com novidades tecnológicas que trariam sempre mais facilidades à nossas vida.
E assim seguíamos a vida, sonhando sempre com um futuro promissor, onde pudéssemos ser felizes por completo. Mas a vida era bem mais complexa, transformadora e mutante do que imaginamos, pois o que não imaginávamos é que quando tudo isto chegasse, que quando a tecnologia alcançássemos, nos isolaria-mos, e iríamos desejar outras inovações, e que seriam elas uma vida com mais simplicidade, pois nem imagináriamos, que um dia a modernidade iria nos fazer desejar as mesmas coisas que tínhamos e não dávamos valor, não por às negligenciar, mas por algo a mais continuarmos a almejar, e que em a tendo, veríamos o quanto bom seria poder somá- las ao que tínhamos, para não continuarmos a desejar as mesma coisa de tempos idos.
Hoje também olhamos o céu, sem que consigamos perceber uma estrela da forma que a víamos, e embora uma estrela caía, não a conseguimos ver, pois não mais somos capazes de vê-las, não só pelas luzes artificiais que as ofuscam e as esconde de nossa visão já acostumadas a tanta artificialidade, mas sim por estarmos com nossos olhos, pensamentos e atenção voltados a era tecnológica, a era robotizada, a era que transformam diálogos com um único som o tec tec dos teclados e maouses
Nos perdemos, e assim perdemos também momentos únicos como olhar ao céu e ver uma estrela cair e dela esperar a realização de um desejo.
Hoje em dia, todos se conhecem sem nunca terem se visto, e não faz falta ver, muito dos que se veem não mais se conhecem, e há alguns que embora se vejam não mais se reconhecem, também isso não não mais faz falta, pois se tem outros interesses, mesmo que sejam tecnológicos.
Poucos são os que ainda se incomodam com essa presença ausente do homem e a máquina, máquina que une e separa, mas que tem sempre uma mão a lhe tocar, olhos presos em sua imagem e com um cuidado tamanho, que se a máquina travar ou parar, entramos em um desespero, como se perdesse alguém muito especial, ou um grande amor.
E somos felizes?
Na verdade, somos infelizes que acreditam que felicidade é isto, e é por isso que tantos buscam a felicidade onde ela até existe, mas é virtual e sempre em transformação. Transformações que também nos transformam em seres virtuais e cada vez mais distante do mundo real, o verdadeiro e único mundo em que realmente vivemos, mas que já não mais o percebemos.
Evolução tecnológica é necessária para o bem comum, mas a evolução humana é muito mais necessária ao bem de todos, ou não mais será o eclipse a nos assustar com seu prenúncio de fim do mundo, porque nós teremos matado o mundo dentro de nós, e a única escuridão existente será a nossa mesma, porque desaprendemos o verdadeiro sentido do convívio humano, onde o se tocar num abraço ou aperto de mão novamente, seja a forma mais pura de demonstrar o quanto amamos o outro..