Da janela de altos capins
Todos os dias ele aguardava atentamente por detrás das plantas sobre o parapeito da janela, vigilante à espera daquele homem sem nome, sem carne e sem alma, bom para os outros ele era isso tudo, mas para ele... Ele não sabia explicar a estranha fixação na figura de ar miserável.
Trazia o cabelo emaranhado com a barba igualmente grande, suja e descuidada, o corpo magro exibia formas ínfimas de músculo delineados de pêlos. Vestia trapos algumas vezes sujos, outras exibia o torso nú, sempre sentindo o chão com a planta dos pés, fosse frio, quente, liso ou pedregoso.
O espectador se perguntava, qual seria seu nome, sua idade. Seria ele vítima do submundo das drogas? Qual era a história daquele homem.
Não demorou muito e a figura desceu as escadas da rua, o jovem inflou as narinas sugando o ar, mas não sentiu perfume, cheiro ou odor daquele corpo. Era estranho pois, a janela sempre trazia o perfume de qualquer um que passasse pela rua, exceto o daquele homem, ele era real? Se perguntou. Talvez fosse um fantasma...
Eis que tomado por um arrebatador desejo ele teve uma ideia, passou a escrever diariamente uma mesma dúzia de versos questionando sobre aquele encarnado penado e soltava o papel à sorte dos ventos que circulavam ali na janela, não se preocupava com a sujeira na cidade pois, acreditava sob a ótica romântica que cedo ou tarde o homem pegaria um dos papéis perto no chão e pela proximidade do parapeito ia deduzir que se tratava de alguém da casa 298F. Sonhava acordado que o homem bateria no vidro para devolver o poema e quando ele fosse pegar o papel o misterioso o puxaria pela mão forçando-o a encostar o rosto no dele e o beijaria retirando todo seu fôlego, sentiria então o cheiro de seus cabelos, do seu pescoço, o roçar da barba em seu rosto e morreria abduzido pela violenta arritmia daquela paixão.