Mas que surpresa!
Mas que surpresa! Ouvi na voz do ator a minha própria voz. Vi na planilha do tempo o tempo que não tenho e tenho, nas minhas andanças.
O que seria de mim se não fossem essas vozes e esse olhar que passa como que despercebido, colhendo o que sou?
Passo sobrevoando o mundo. Colho o que já é semente para ver brotar. Não sou terra e nem sou mar. Não sou céu ou fogo que dirá água e seus lamentos. Não, não sou.
Não cante para mim sua música e nem seu roteiro. Seus conceitos pelas ideias que me pinta, são turvas nuvens de um aguaceiro que desfaz. E mesmo que disforme, seja este que me sirvo nesse momento, o mesmo não tem nome, não há risco ou traço como diretriz e é nisso todo o seu suporte em liberdade. É asa e nem ela, para dissolver-se e entranhar-se, esse seu jeito único de pulsar. Só vou aí para me encontrar, mesmo sem ter algum dia me perdido. Quem sabe apenas denunciar que és parte do que no todo se faz, calar. Quem sabe... não tenho normas, por isso, pare de tentar me desenhar. Caso persista, assumas o risco de ver-se aí sim, perdido, crendo estar em seu lugar.
Sou o que fizeram? E o que me fez não foi arquiteto algum, talvez o que se quer como artista, ou como cantor, talvez... só sei que era semente e estavam lá todas as vozes, todos os tempos, todos os elementos que vim colher, onde agora estou.
E sem tempo para amar, vou por aí, ao mundo, desordenar. Sim, desconstruir, bagunçar. Feito criança me ponho para que penses ser eu, teu poeta favorito, porém, tal surpresa há de te tirar dessa coerência. Ouvirás a voz a te dizer no tom da maestria que é seu e único, entoar. Mesmo que silente, mesmo que aparente, mesmo que não dito ou confessado, será sim a voz que nunca pensou ser ou estar.
Kátia de Souza - 20/10/2021
Na imagem: arte de Sophie Wilkins