Da felicidade
Ela tinha apenas 3 anos, seu pai ainda era jovem, e o tempo passava devagar.
E foi o pai que lhe disse para colocar sal no rabo dos passarinhos, pois assim eles não conseguiriam voar.
E ela, na inocência de criança, andava pelo pátio atrás dos pássaros, uma pitada de sal no meio dos dedos gordinhos, na esperança de pegar um piu piu.
Ia bem devagar, quase invisível, mas os pássaros sempre fugiam.
Não entendia como eles podiam vê-la, se ela se escondia atrás das árvores, se não fazia barulho...
A cada tentativa, ela imaginava o pássaro nas suas mãos, quietinho, impossibilitado de voar por causa do sal.
E a cada tentativa, lá se ia o pássaro céu a fora, voando livre pelo céu azul...
Por fim, já ciente de que não conseguiria chegar perto dos pássaros fujões, jogava o sal de longe, na esperança de que caísse no rabo, paralisando assim o passarinho.
E o pai ria de mansinho, meio escondido, pra ela não ver.
Eram dias de sol, eram tardes amenas.
A felicidade estava ali, no caminhar da criança, no sorriso do pai, no vai e vem da vida...
E é por isso, que hoje, ela não consegue acreditar que a felicidade possa estar na riqueza, na beleza, no ter sem fim...
Não, ela não está nessas coisas.
Ela está nas entrelinhas da vida, nos momentos simples, onde menos se espera.
Ela nos envolve sem percebermos, ela nos acompanha sem vermos.
Ela nos observa e brinca conosco. Está ali, ao lado.
E quando nos damos conta, tentamos jogar sal sobre ela, para torná-la imóvel, para que ela fique, assim, indefinidamente, conosco.
Outubro de 2021.