O medo da chuva
Eles cantavam e dançavam. Eles tinham coragem, eles tinham uma promessa:
a velha música, embalada na voz rouca do messias, vinha dizer que a chuva voltava para a terra e trazia as coisas do ar.
Eles cantavam e dançavam porque não tinham medo da chuva.
As mãos puxavam a ciranda, que fazia os pés girarem. O barro subia e não havia sujeira porque eles estavam do lado da ordem, e ela reafirmava:
- A chuva volta para a terra e traz as coisas do ar.
E o messias repetia e repetia, rouco, alucinado, daquele lugar onde o tempo não é tempo, a prece de que haveria harmonia e que ela seria morna ao toque.
Eles cantavam e dançavam, convidavam o vazio para dentro de si porque ali ninguém mais tinha medo da chuva.
Até que um dia o verbo virou lei.
Então ninguém mais cantou, ninguém mais dançou.
Ninguém mais ouviu o messias - agora mudo, agora sem preces.
A chuva voltava, mas então não havia terra.
Havia as coisas do ar, mas então o ar era sujo.
Eles abriram guarda-chuvas, buscaram abrigos, os calçados tinham de ficar secos.
E eles não cantavam mais, e eles não dançavam mais porque o coração se pintou de medo e sufocou em pedras. Agora a noite era escura e a chuva era fria.
Do lado de dentro de suas janelas, enclausurados no tédio cego, só conseguiam reclamar:
- Que chuva!