Corpo
Nasci ferro,
Enquanto minha mãe chorava e meu pai sorria.
Nasci ferro, maleável, frágil,
Sem o brilho do quartzo ou a dureza do diamante.
Me fizeram espada, lutei guerras que não eram minhas,
Feri, sangrei noites virgens
E aos golpes recebidos revidava.
Como quem ferro seria, pobre,
Aos poucos a ferrugem tomou meu corpo,
E a tudo assistia o meu desespero.
Comprei casas, construí paisagens
Inventei viagens, pintei os cabelos.
Mas tudo era inútil,
A vida fútil, sem paixão,
Só a lâmina fria de ferro sem aço
E no espaço que há entre a vida e a morte
Risquei limites, ensaiei golpes
Que ao mais forte seria fatal.
Ferro forjado entre o bem e o mal
Cresci, e foi na dureza dos dias
E na modorra da noite
Que vi que o que eu era
Não passava de minério,
Daqueles que levantam guerras
Para defender a inocência
E justificam
Nossa pobre existência.
Nasci ferro, sem brilho,
Vendido a quilos quando velho,
Como . sonho inútil de liberdade.
Nasci sem vaidades, apenas um bloco na montanha,
Secreto, enterrado, respirando óxidos...
Nasci matéria na humanidade dos ossos.