Corpo

Nasci ferro,

Enquanto minha mãe chorava e meu pai sorria.

Nasci ferro, maleável, frágil,

Sem o brilho do quartzo ou a dureza do diamante.

Me fizeram espada, lutei guerras que não eram minhas,

Feri, sangrei noites virgens

E aos golpes recebidos revidava.

Como quem ferro seria, pobre,

Aos poucos a ferrugem tomou meu corpo,

E a tudo assistia o meu desespero.

Comprei casas, construí paisagens

Inventei viagens, pintei os cabelos.

Mas tudo era inútil,

A vida fútil, sem paixão,

Só a lâmina fria de ferro sem aço

E no espaço que há entre a vida e a morte

Risquei limites, ensaiei golpes

Que ao mais forte seria fatal.

Ferro forjado entre o bem e o mal

Cresci, e foi na dureza dos dias

E na modorra da noite

Que vi que o que eu era

Não passava de minério,

Daqueles que levantam guerras

Para defender a inocência

E justificam

Nossa pobre existência.

Nasci ferro, sem brilho,

Vendido a quilos quando velho,

Como . sonho inútil de liberdade.

Nasci sem vaidades, apenas um bloco na montanha,

Secreto, enterrado, respirando óxidos...

Nasci matéria na humanidade dos ossos.

Gilberto de Carvalho
Enviado por Gilberto de Carvalho em 12/10/2021
Código do texto: T7361947
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