Antipoema de um alucinado (O último sobrevivente da geração beatnik)

Corria saltitante entre girassóis e nuvens de algodão,

atordoado pelos pensamentos.

Alma ardente, contava estrelas, rodeado por vagalumes.

Fazia poesias curtindo amores e sucumbindo às dores.

Sua poesia era triste, delirante e macabra,

fruto do seu desencanto poético.

Compunha com os olhos vertidos em sangue.

Discursava com a voz encharcada de lágrimas.

Seus sonhos eram recheados de vendavais, furacões e tragédias,

fruto das suas alucinações.

Foi atingido por um raio, mas não morreu, virou um lunático.

Para pescar cavava minhocas e voltava pra casa

feliz com seus lambaris, jogava fora os lambaris e comia as minhocas.

Enterrava cacho de banana para madurar, comia tudo e ao correr de dois dias a diarreia o seguia por uma semana.

Rodeava os canteiros até se cansar e enjoar.

Queria realizar tudo que sua imaginação pudesse alcançar,

apesar de seu histórico de vida: embarcar em canoa furada e remar contra a maré. Não trabalhava, vivia a mercê dos seus instintos. Quando tinha fome comia o que aparecesse pela frente e ao defecar não tinha curiosidade de olhar para os seus excrementos, não olhava para trás.

Descobriu-se, curiosamente, que tinha na identidade o número da besta (666). Isso por si só já o definiria como um desgraçado.

E assim o antipoeta se resignava numa bestialidade que se insinuava. Praticava a zoofilia. Ah! Como amava os animais...

Avesso as tradições, nada era digno de reverência.

Crítico ferrenho da sociedade, um eterno inconformado.

Sim, um iconoclasta! Participou do recital na Six Gallery em San Francisco, cuja influência o tornou um entusiasta militante da revolução cultural, criou o (ultrapassado?) lema "sexo, drogas e rock'n"roll".

Resquícios daquela época, hoje suas ideias (anacrônicas) não se enquadram mais nesta sociedade líquida, carente de aspectos sólidos, infelizmente. E assim segue o mundo capitalista, desenfreadamente. Anarquista, propunha que a liberdade do homem não deveria ser restringida ou limitada por seu governo e suas leis.

No movimentado evento revolucionário, com Jack Kerouac aprontou de tudo. Uma vez embriagado, vociferava contra tudo e todos. Submetido a um interrogatório por parte de admiradores e opositores, respondia entre escarros e vômitos:

Fale sobre a política?

- Política? Essa podridão?

Família?

- Nada representa. Pessoas unidas apenas por laços de sangue.

Religião? Deus?

- Descarto esta pergunta. Não vê que sou ateu?

Recusou-se a responder outras perguntas e foi ovacionado por seus seguidores e execrado por seus adversários.

Insone, passava a noite absorto, a cogitar.

Abrigava enorme inveja dos escritores famosos, julgava-se a si mesmo como um reles poeta, um poeta de ruptura, marginal, underground. Mas no fundo eu acho que ele se orgulhava disso.

Queria transformar sua visão (distorcida) do mundo em poesia. Livre para difundir suas ideias e tudo aquilo que acreditava, embora fosse um cético nato.

Com os olhos marejados, deleitava-se vendo um pássaro

alimentando o filhote no ninho. Depois que o comia, vomitava.

Passava a noite vadiando, segredando intimidades às moças numa mesa de bar. Entretanto, as mulheres corriam dele por conta de seu olhar brejeiro, que, cheio de malícia, desnudava-as. Assim, era rejeitado, principalmente por seu jeito tresloucado, debiloide e bisonho.

Misterioso, olhava entretido o sol se afogando no mar.

Mas a lua tinha um significado todo especial,

daí o seu estigma: lunático!

Ansioso, queria tudo ao mesmo tempo.

Para desespero da família embriagava-se diariamente.

Desleixado, não tomava banho, dizia que era para exalar o feromônio, que atraia as mulheres.

Com um sorriso pérfido desdenhava as coisas boas da vida,

revelando sua angústia e pessimismo.

Certo dia, fez, a si mesmo, a pergunta cabal e categórica que ninguém fizera até então:

Qual o valor de um cerimonial com palavras elogiosas e uns versos impressos na lápide fria quando o autor está dentro dela?

Sempre flertando com a figura da morte,

só queria sonhar, e não mais delirar.

Dormir, e não mais acordar.

Ganimedes Jr. (pseudônimo de Edir Araujo)

copyright@2019todososdireitosreservados

Livros publicados: A passagem dos cometas, Risos e lágrimas, A boneca de pano, Fulana (inédito) e muitos poemas, crônicas, contos, microcontos e artigos publicados na web "ad aeternum".

Edir Araujo
Enviado por Edir Araujo em 29/09/2021
Reeditado em 12/11/2021
Código do texto: T7353189
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2021. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.