inquietações
Quanto de papel e tinta serão necessários para descrever os horrores dos homens. Incrédulo nessa possibilidade, para ele, homem de fé e devoção hereditária, os horrores dos homens eram manchas irremovíveis. Ele, que um dia pensou ser homem de Deus, não ignorava o que todo dia seus olhos viam. Quanto de papel e tinta serão necessários para descrever os horrores dos homens? Pergunta sem resposta, e fechava o livro sagrado e colocava-o sobre a mesa de quarto.
Sabia, como todo ser de bom senso, e a despeito de divergências pessoais, que há momentos na vida, sob risco de ser confundido com aquilo que se dizer ser contrário, o que, àquela altura, mais do que um erro de avaliação, era, a bem da verdade, sintoma de uma equiparação com o que havia de mais nefasto e anti-humano. Não era de boa monta, ao menos para quem a vida está acima das opiniões, ser associado ao que, àquela altura, era sinônimo do desapreço pela vida.
Por reconhecer, e disso, sem que precisasse expor suas ideias e ideais, ele, que ainda jovem e rebelde, pensou em se entregar à vida reclusa da fé, não encontrava palavras que confortassem seu coração e sua crença na espécie humana e tudo que ela foi capaz de construir. Para ele, ao se deparar, dia após dia, sem qualquer disfarce, com verdadeiras sentenças de morte pronunciadas, em alto e cristalino som, o alcance e a força que tais palavras adquiriam junto ao exército que se formava, era, e disso ele não se cansava de dizer, o prenúncio da desfaçatez alçada ao topo do poder.
E tem sido assim. Tomado, cada vez mais, e sem, ainda que tênue, qualquer fio de esperança, fato é, que ele, em tempos remotos, saberia dizer o que seria o dia seguinte. Porém, e disso lamentava, desde que o nefasto, como o miasma que nasce da putrefação dos corpos, desde que o nefasto se fez rei, não havia dia em que o sol não fosse coberto pela névoa plúmbea da morte.
Tristeza e lágrimas, é só que sinto, disse certa vez, a um amigo querido e que, ao contrário dele, conseguiu, e sentia feliz, porém, não sem seus tormentos, seguir a vida monástica. Enfim...