Vida ou efeméride curta do tempo, humano

Muito já foi dito e escrito sobre o tempo. Físicos, filósofos, astrofísicos, historiadores, professores: todos envoltos com as questões do tempo e sobre o tempo, como Hobsbawm, em livro de título homônimo. Lindo inclusive. Necessário, hoje.

Parece tema batido, bobo talvez. Sinto que o tempo é pouco comentado, no real. Na realidade falam por ele, dele. Talvez seja clichê dizer que o tempo passa. Talvez o tempo fique. Constante. Por um tempo. Fato é que ele, o tempo, é também inconstante. No jogo com as palavras, correções e incorreções, escrevo sobre ele enquanto me observa. Seus olhos não piscam. Não perdem nada. Sabe de tudo. É tudo. Todos.

O tempo histórico é o tempo da história? O tempo, medida astrofísica, é o tempo do espaço, sideral? Tampouco sei e também não sei se já souberam. Classificar algo que é e já não é me parece complicado. Algo que se perde entre os dedos, muito delicado e obtuso, tanto como adjetivo e no sentido figurado, ao mesmo tempo. Este texto é um pouco sobre o tempo, ou sobre o que fazer com ele, já que nos é parte e, em completude, precisamos dar sentido, ou, melhor (ou seria ainda?), como viver o tempo. E ainda, uma última questão me surge, que é o texto dentro de uma curta, curtíssima medição do tempo em que eu me propus a fazê-lo enquanto escrito do pensamento. Múltiplas possibilidades. Como dar conta do tempo? Precisamos?

Esquisitices a parte, o tempo é o tempo. Ponto, sem início ou final. Ele o é. Difícil definir, representar, medir, sê-lo. Conceituam-no, porém ainda sinto que ele não se sente representado. Estava aqui antes de nós. Estava no início do início daquilo que foi o início. Estará no fim, expectador final. É uma constante que nos parece inconstante. É, talvez, o esteio de tudo e de todos sendo o responsável pela concretude e também, o cavalo que oferece montaria à destruição. É o sonho, o sonhar, a ruína e a desolação. É. Diria que o tempo é presente, mas correria o risco de cair no esquecimento.

O tempo. Minha relação com ele sempre foi sem rumo e prumo. Uma nau esperando um sopro de tempo. Vento. Não ia dar em nada nossa relação, me parecia. Ledo engano, como diria uma professora que estuda as questões teóricas sobre o tempo histórico. Enganado, pois vivo pensando nele, o tempo. Que falta ele faz... Penso às vezes. Em outras sinto que me suga e me leva para outro lugar e quando retorno ainda não saímos. Em outras tantas, fico aqui, sentado, observando ele de um lugar a outro vestindo roupas e escrevendo de maneira que não nos cabem mais.

O que é esse tempo? Nas noites em que durmo bem é como uma companhia que bateu à porta e quando fui atender já se foi. Rápido, apenas um perfume no ar. Em outras noites, quando a chateação da senhora insônia bate a porta o perfume se torna catinga! Um fedor que teima em ficar e irrita as narinas pela escuridão longa da noite. Prefiro o dia, inclusive, tempo. Talvez o tempo lunar me seja mais atraente do que o solar, mas essa é outra questão. Sob a luz tudo flui melhor contigo. Amiga que percorre longas distâncias temporais.

Sendo um ser mitológico para alguns, o tempo em outras culturas age de forma amistosa a Clio e para outras tantas é apenas uma medida essencial. De fato, poucos se relacionaram de forma direta com ela/ele. Experimentar o tempo me parece uma boa maneira de dar sentido a ele, na empreitada complicada de tentar conceituá-lo. Ao ter consciência de sua experiência enquanto ser vivente neste planeta, como parte de um fragmento do tempo, do universo e ainda da vida em sociedade, sobre concepções específicas, sobre ações culturais, de classe, e, portanto, também na vida social, podemos dizer que a maneira como vivenciamos o tempo é o que ele é para nós, no espaço. Assim, vivê-lo é ser parte de algo, por meio da consciência do pertencimento disso. Da classe, da luta de classes, agindo com, contra e sobre a classe. Para outros é difícil vivenciar isto ou pelo menos assumir este debate dilacerado assim como o tempo, espedaçado em partes, diferentes, sob o olhar humano, medido e datado. Palavra horrível é ‘data’ pois não aconchega à tomada do tempo dele mesmo ao ser colocado em caixinha àquilo que não tem pertencimento ou deveria ser guardado.

Como historiador, defendo o tempo livre, sem gaiolas, sem controle. Levo Thompson comigo quando definiu a experiência e compreendeu que fazia de sua existência no tempo, algo que não lhe dava mais prazer e foi-se embora viver-sentir a si e ao tempo, de si, em outra forma, educadora, em outro espaço, com outras pessoas, sendo diferente. Será? Ensinou a compreender que a experimentação do tempo é sui generis, mas que há limites bem demarcados por aquilo que a senhoria Tempo nos oferece. Entre humanos, tendo a achar que existe algo que é palpável do tempo e muito daquilo que apenas é e jamais será possível darmos conta. Assim, o tempo nos é só aquilo que ele permite que vejamos.

Lafargue defendia a preguiça, antes do trabalho. Preguiça escolar, aquela que é tempo, livre, experiência de conhecer o mundo-tempo. No século XIX ter relógio era distinção por meio do controle do tempo do trabalho, naquele maquinário opressor. Para ser era preciso controlar o tempo artificializado, e ainda o é. Que tempo? Pelo relógio, que agora está no celular, medimos e damos sentido material àquilo que não o é em si. Faz sentido? Sinto que seria melhor deixa-lo ir, como vento. Inclusive acho que tempo e vento devem ser irmãos ou primos próximos, daqueles que cometem todo tipo de arte (ou como diriam os meus queridos antigos, travessuras) e sorriem quando são confrontados. Interessante como a arte é sinônima de travessura, não é?

Muitos dentes a mostra e fluidez na vida, tempo e vento passam rápido, como a infância. Quando percebemos logo voltam, os últimos citados, de lá pra cá. Queria ser vento! Tenho sido muito mais tempo, aquele fragmento dele, curto, perfume fraco que passa logo no primeiro sopro, de vida e morte, o tempo humano. Medida curta de uma efeméride, vida. Ser mais tempo ao vento. Ver e vencer, agora mais do que nunca. No tempo, sobreviva, seja, vento. Tempo.

Sou mais um que muito disse e pouco de fato ficará sobre o tempo. Não era o que queria inicialmente dizer, porém foi o que esteve ao alcance nesta fagulha da existência na tentativa fugaz de eternidade de si no escrito, datado. O tempo é irônico.

Raphael Ribeiro
Enviado por Raphael Ribeiro em 31/08/2021
Reeditado em 31/08/2021
Código do texto: T7332738
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